Agricultores do Semiárido combatem a desertificação e preservam o planeta para o futuro

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Cartaz do Dia Mundial de Combate à Desertificação 2014 em espanhol

“A terra pertence ao futuro – protejamo-la das mudanças climáticas”. Este é o tema deste ano do Dia Mundial de Combate à Desertificação comemorado no dia 17 de junho. Com esse slogan, a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD) quer ressaltar os benefícios de integrar as políticas e práticas de gestão sustentável da terra como resposta coletiva para o combate à desertificação. É também um chamado para que todas as pessoas se envolvam na proteção da terra pensando nesta e nas futuras gerações, e que se inspirem em exemplos concretos.

“Podemos fazê-lo. Isto tem sido demonstrado em comunidades no Burkina Faso, Níger e Mali, que recuperaram mais de 5 milhões de hectares de terras degradadas. Deixe estes e outros exemplos nos inspirar e proteger a terra e os cuidados para esta geração e para as gerações futuras”, diz o secretário-geral da ONU, Ban Kin-moon, na mensagem oficial do Dia Mundial de Combate à Desertificação disponível no site da UNCCD.

A desertificação é um fenômeno que atinge vários países do mundo e gera grandes problemas sociais, econômicos e culturais, tais como insegurança alimentar, migração e perda da biodiversidade. Ela se caracteriza como o processo de degradação da terra nas regiões áridas, semiáridas e subúmidas secas, resultante de vários fatores, entre eles as variações climáticas e as atividades humanas.

O tema deste ano tem tudo a ver com a prática de muitos agricultores e agricultoras do Semiárido Brasileiro. As histórias deles e delas são inspiradoras e revelam uma riqueza de ações simples que ajudam a preservar a natureza e, consequentemente, combater à desertificação. O agricultor e ambientalista Chico Elpídio, 64 anos, é uma dessas pessoas. Ele nasceu e se criou em Caicó, na região do Seridó do Rio Grande do Norte, uma das mais avançadas no processo de desertificação do País.

Grande parte da sua propriedade, de 85 hectares, é de mata nativa. Ele também tem uma sementeira onde guarda sementes de plantas nativas, principalmente, as que estão em extinção. As mudas são doadas pra quem tiver interesse, desde que a finalidade seja para ajudar à natureza. A paixão de Seu Chico pelas plantas surgiu desde criança. “Com sete anos de idade eu já cuidava das plantas e fazia histórias com elas. Aquela é planta do bem, aquela não é”, revela o agricultor.

O agricultor e ambientalista Chico Elpídio denuncia desmatamento da Caatinga no Seridó potiguar | Foto: Daniel Feijó

Para combater processos mais avançados de desertificação, Seu Chico tem a experiência de construir renques também conhecidos como cercas de pedras.  Essa técnica consiste em colocar as pedras arrumadas em fileiras sobre cordões de contorno em nível, em terrenos inclinados. O objetivo desses renques é que, com o passar do tempo, os sedimentos retidos por estes “cordões” alcancem seu nível natural.

A tecnologia é simples, mas para obter o resultado esperado é preciso muita paciência e dedicação. “É um trabalho que todo ano você tem que cuidar. Você monta a cerca com o tanto de solo que você queira recuperar até chegar o ponto de plantar as sementes nativas da caatinga. Agora não pode desistir”, diz Seu Chico. Ele calcula que são necessários pelo menos 10 anos para recuperar uma área degradada.

O trabalho que Seu Elpídio faz com tanta paciência e cuidado encontra-se ameaçado pelo  desmatamento indiscriminado da Caatinga pelas fábricas de cerâmicas, muito comuns na região. O mestre em engenharia mecânica, Waldécio Sávio do Nascimento, fez um estudo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) sobre os impactos de uma indústria de cerâmica no Seridó potiguar e constatou que grande parte das fábricas existentes na região funciona ainda com forno a lenha.

A pesquisa aponta que apenas 4% das fábricas possuem fonte própria de madeira. O restante adquire esta matéria-prima de fornecedores que em sua grande maioria não prestam contas de procedência do material. Deste último percentual (96%) praticamente toda a lenha é retirada indiscriminadamente da Caatinga, sem nenhum controle.

“Se continuar do jeito que tá, em 2028, o Seridó não produz mais nada de alimentos porque todo o solo de aluvião está se acabando. Nós só temos esse solo em 5% do Seridó e numa pesquisa da universidade de Caicó em 2002 já tinha queimado 1,5 % desse solo. A gente supõe que hoje 2 a 3% desse solo já foi embora. Estão matando o solo. Esse é o maior crime da natureza”, alerta Seu Chico. 
 

Maria Francisca alimentou os animais na seca com as plantas da Caatinga preservada | Foto: Ricardo Ferreira

Alagoas – A 461 km de Caicó, no município de Piranhas, no Alto Sertão Alagoano, vive dona Maria Francisca Alcântara, outra agricultora apaixonada pela natureza. Ela vive nessa propriedade há 23 anos com o marido e cinco filhos. Quando a família chegou no sítio, a terra estava bastante degradada, cheia de buracos e uns poucos pés de árvores.

Dona Maria Francisca passou oito anos vivendo nessa terra, que a cada ano ficava ainda mais fraca devido à queimada e ao desmatamento que praticava. A partir de 2001, quando começou a participar das reuniões da Articulação Semiárido Alagoano (ASA Alagoas), ela aprendeu que era possível fazer agricultura de outra forma e resolveu fazer uma experiência na sua propriedade. Reservou uma área de cinco tarefas para fazer uma agrofloresta. O terreno total tem 44 tarefas.

Hoje, a mata nativa abriga uma variedade de espécies locais como macambira, catingueira, angico, além de plantas medicinais e animais como o preá, o camaleão, o mocó e muitos pássaros. Recentemente, a família reservou mais cinco tarefas para fazer outra agroflorestal.

Veja aqui o boletim o Candeeiro de Dona Maria Francisca e conheça melhor sua história

Com muita satisfação, dona Maria conta que conseguiu manter seus animais na última seca, que durou três anos e foi uma das piores dos últimos 50 anos, graças à caatinga preservada. “Antes era muito difícil. Eu plantava as coisas e não dava nada. Mas hoje tá uma coisa linda. Inclusive eu dou de comer a quase 30 ovelhas com essa caatinga. No verão, eu sustento elas com a folha da catingueira”, diz.

Sob os pés da catingueira, dona Maria Francisca percebe também um ar diferente, mais agradável e frio. “Antes era muito quentura, de você ficar aperreada. E hoje você sente aquele ar gostoso”, diz a agricultora, que no início foi tachada de “louca” pelos vizinhos e os próprios pais por fazer esse trabalho. “Se todo mundo fosse doida como eu a natureza era diferente. O clima tá tão diferente, como nós estamos vendo, porque estão derrubando toda natureza”, alerta.

Reconhecimento – A ação de convivência com o Semiárido desenvolvida pela ASA e protagonizada pelos agricultores e agricultoras da região como Seu Elpídio e Dona Maria Francisca foi reconhecida pelas Nações Unidas como uma experiência concreta de combate à desertificação. A Articulação recebeu o certificado Dryland Champions, da UNCCD, nesta última segunda-feira, 16, por ocasião do Dia Mundial de Combate à Desertificação. O evento foi organizado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). A ASA foi a primeira rede certificada no âmbito da UNCCD. Saiba mais aqui.

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