''Aprender mais e passar para as pessoas que não puderam vir''
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Um dos temas envolvidos na troca de experiências foi apicultura | Foto: Mirian Oliveira |
Há aproximadamente um mês, uma comitiva de agricultores e agricultoras passou a ser chamada de Comitiva Mandacaru. O nome foi escolhido pelos próprios homens e mulheres do grupo, que moram nos municípios baianos de Queimadas, Nordestinas e Cansanção.
A ideia foi surgindo durante os intercâmbios municipais e estaduais promovidos pelo Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), da Articulação Semiárido (ASA) e executado pela Associação dos Pequenos Agricultores Familiares (APAEB Serrinha). O último intercâmbio foi realizado na “Terra do Caju”, Sergipe, local em os agricultores e agricultoras batizaram a Comitiva Mandacaru. A inspiração vem de uma planta típica da caatinga e que avisa ao sertanejo, através da sua flor, quando a chuva está por vir.
Durante a viagem da Bahia para Sergipe, o intercâmbio já começou no corredor do ônibus. A troca de experiência já era visível. Pois muitos dos agricultores e agricultoras tinham participado de um intercambio municipal. Daí foi aquela troca, aquele questionamento do que cada um já tinha feito em sua propriedade. Dona Viviane Reis, do município de Queimadas (BA), por exemplo, logo socializou que já tinha feito a cobertura de palma e com capim, a qual tinha aprendido durante a visita na casa do seu Abelmanto, na comunidade de Mucambo, em Riachão do Jacuípe, durante o intercambio municipal.
A viagem era longa, porém este detalhe nem foi percebido. O antídoto para curar o cansaço e o sono foram as cantigas de rodas, cantigas de são João, cantigas de reis, além de adivinhas e piadas.
Exemplo de uma cantiga de roda cantada durante a viagem: |
Pedra do amolador |
“Olha a pedra do amolar, olha a pedra do amolador, mas quando soube que tu era noivo, eu chorava tanto que fazia dó.
Sete e sete são quatorze, com mais sete vinte um, eu tenho sete amor no mundo mas não amo nenhum. Olha a pedra do amolar, olha a pedra do amolador, mas quando soube que tu era noivo eu chorava tanto que fazia dó” |
Nesse ritmo cultural e alegre, o grupo desembarcou em Sergipe repleto de grandes expectativas. Para alguns, não era novidade apenas conhecer novas experiências de lidar com a terra. Para muitos, era a primeira vez que estavam saindo do Estado da Bahia, portanto, todo detalhe era novo, era surpreendente. Tudo fazia os olhos brilharem.
A unanimidade nas primeiras falas dos agricultores e agricultoras no momento de apresentação era de “aprender mais e repassar os conhecimentos para as pessoas que não puderam ir”.
O primeiro encontro da Comitiva Mandacaru aconteceu na Associação de Mulheres – Resgatando Vidas, na Comunidade Lagoa da Volta, no município de Porta da Folha (SE). Lá os agricultores puderam trocar experiências sobre produção de doces, geleias, compotas, cultivo de hortaliças entre outras.
Enquanto dona Luzinete – carinhosamente conhecida como Netinha – falava, os olhos de algumas agricultoras que já desenvolvem esta atividade brilhavam. Este é o caso das agricultoras dona Ananias e dona Noelia, que fazem parte do grupo de mulheres da comunidade de Deus Dará, do município de Nordestina.
De repente, um barulho familiar para muitos, mas estranho para alguns, chamou atenção. Todos saíram da Associação para ver um carro de boi que passava no local. Foi uma alegria. Apesar de sido meio de transporte de cargas e de pessoas durante muitos anos, o carro de boi está praticamente extinto em algumas áreas rurais do país. Todos queriam registrar através de fotografias e vídeos para mostrar aos filhos. Foi uma festa só.
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Grupo passou pela casa de dona Cida Alves | Foto: Mirian Oliveira |
A poucos metros dali, numa casa repleta de plantas espalhadas pelo quintal, pela curiosidade dos agricultores e agricultoras, via-se que se tratava de uma família que era exemplo local de agricultura familiar, soberania alimentar e sustentabilidade. A propriedade em questão é a de dona Cida Alves, agricultora experimentadora e multiplicadora. Em uma tarefa de terra, dona Cida desenvolve o plantio de hortaliças, fruteiras, plantas medicinais e verduras, além da criação de um pequeno rebanho de ovelhas. A cada passo que a agricultora sergipana dava pela sua propriedade, era seguida pelos olhos e pelos passos de todos e todas. Cada ensinamento passado por ela era anotado em cadernetas trazidas por cada agricultor e agricultora. Quando viam uma novidade, logo interrogavam. Quando se tratava de uma planta, queriam uma muda para ver se nascia aqui em solo baiano. Foi o caso da agricultora Natália, do município de Cansanção, que não trocou apenas conhecimento e não levou apenas novas experiências na bagagem, levou também uma muda de uma planta nativa do Estado de Sergipe.
No terreno da dona Cida a Comitiva Mandacaru também se deparou com algo que para alguns já faz parte do cenário das propriedades deles: uma cisterna-calçadão. Dona Cida mostrou para o agricultores e agricultoras que não é preciso muito recurso para se produzir ao redor da cisterna, pois ela utiliza pedras para formar os canteiros econômicos para o cultivo de hortaliças.
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Dona Cida explicou o funcionamento e importância do biodigestor | Foto: Mirian Oliveira |
No fundo do quintal, um circo feito de cimento chamou atenção para alguns. Era o biodigestor conquistado por dona Cida. Em poucos minutos se fez um circulo humano em torno dele. Todos queriam saber seu funcionamento, o que era necessário para o mesmo gerar gás. Com a sutileza e alegria sergipana, dona Cida passou todas as informações e respondeu todos os questionamentos feitos por eles e ainda mostrou de fato que realmente o gás existe, para alegria de todos.
Antes do entardecer, a Comitiva Mandacaru seguiu cantarolando. Desta vez rumo à cidade Canindé de São Francisco (SE). O objetivo era conhecer a Cooperativa Casa do Mel. Por lá, o grupo foi recebido por Josiel Ferreira da Silva, mais conhecido como Téo do Mel. Téo fez uma breve socialização sobre o trabalho desenvolvido na Casa do Mel e abriu espaço para as dúvidas. Ele levantou muitos questionamentos ao falar que ‘’qualquer um pode criar abelha. É só querer e ter aptidão’’. Apesar da maioria do grupo não ter experiência com o criatório de abelhas, todos estavam curiosos para saber de fato como funcionava, se tinha mistério. Curiosidades que foram sanadas quando Téo do Mel apresentou cada detalhe da cooperativa para os agricultores, desde a manipulação ao envasamento do mel.
Para seu José Ribeiro, que tem uma pequena criação de abelhas na sua propriedade, na comunidade de Lago do Frade, em Cansanção, ver uma estrutura daquele tamanho serviu para perceber que ele está no caminho certo, e que tudo o que foi apresentado será levado para a cooperativa da região.
‘’Muita coisa que foi falada lá eu já faço, mas aprendi algumas coisas também. Os maquinários que eles têm, esses sim, vou falar para o pessoal da nossa cooperativa que por sinal também chama Casa do Mel, para gente ver se consegue recursos para adquirir, pois, ajuda muito”, declarou seu José Ribeiro.
Apesar das horas de viagem, dos dias foras de casa, do cansaço, ainda sobrou gás para entoar mais cantigas de rodas e outras mais. O Intercâmbio Estadual deixa a certeza que os agricultores e agricultoras voltaram para a casa com uma bagagem que, como eles mesmo disseram, “vão passar adiante”, além de terem deixado um pouquinho da Bahia também em terras sergipanas, pois os intercâmbios são feitos disso, de trocas de conhecimentos e saberes.