Agricultores e agricultoras trocam experiências e técnicas de convivência com o Semiárido

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Agricultores e agricultoras de três municípios foram para Riachão do Jacuípe | Foto: Mirian Oliveira

O sol nem tinha raiado. Estava nas primeiras horas do dia. Os orvalhos típicos de inicio de inverno da Bahia se já faziam presentes nos galhos das árvores. Mas nem o frio, ou outros empecilhos, impediram que 45 agricultores e agricultoras saíssem de suas casas. Eles e elas deixaram o plantio com a responsabilidade de outra pessoa da família e seguiram com um desejo: buscar novas experiências e novas descobertas que facilitem a vida no Semiárido.

Uma das atividades previstas no Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), realizado pela ASA, é o intercâmbio entre agricultores e agricultoras. Em Serrinha, na Bahia, esta troca de conhecimentos da agricultura familiar é executada pela Apaeb Serrinha.

Por volta das 5h da manhã da última terça-feira (21), agricultores e agricultoras dos municípios baianos de Nordestina, Queimadas e Cansanção partiram em busca de novas descobertas e trocas de saberes. O destino de todos e todas foi o município de Riachão do Jacuípe, na Bahia. Eles e elas conheceram as propriedades de Seu Eduardo Emídio, localizada na comunidade Barreiros, e a de Seu Abelmanto Carneiro, na comunidade de Mucambo.

As expectativas eram muitas. A ansiedade maior ainda. A cada quilometro percorrido, as mesmas perguntas se repetiam: “já chegou?” “É aqui?” “Falta muito?”. Ansiedade que só foi sanada quando o grupo foi recebido com um sorriso largo por seu Eduardo Emídio, agricultor que desenvolve o Projeto Produzir e Preservar, que surgiu há 14 anos, com o objetivo de criar alternativas para se conviver no Semiárido. A iniciativa também mexe com o imaginário social a região semiárida brasileira. ‘’Nasceu a necessidade de desenvolver este projeto para mostrar que esta visão pode ser transformada, ou melhor, que podemos conviver neste clima e que tem pessoas aqui que vivem dignamente. Então o projeto nasceu dessa necessidade de mostrar que o nordeste não é só região de miséria e sim também uma região boa para viver, para morar’’, destacou Eduardo.

A propriedade de Seu Eduardo tem 52 tarefas bem aproveitadas e cheia de alternativas para se conviver com o semiárido. O espaço é praticamente autossuficiente. Seu Eduardo desenvolve técnicas que utilizam pouca água, além de desenvolver diversas experiências com plantios e criação de caprinos e ovinos.  Experimentador nato, seu Eduardo começou a visita apresentando para os/as também agricultores/as seu barreiro-trincheira, umas das alternativas de driblar a longa estiagem e também onde possui um criatório de peixes. A tecnologia barreiro-trincheira já não era novidade para muitos ali presentes, mas seu uso talvez fosse. Ao longo das explicações de Eduardo, se ouvia várias perguntas, curiosidades e também sugestões e experiências já desenvolvidas em repressas de alguns presentes. Com a água do Barreiro, de uma cisterna-calçadão e de uma barragem subterrânea, possibilita a Eduardo a criação de animais como também para regar diversas árvores frutíferas presentes na sua propriedade, foi neste momento da apresentação destas árvores que a troca, a curiosidade começou a se fazer presente.

“Produzo qualquer tipo de fruta em qualquer tempo do ano’’, frase dita por Eduardo, despertou curiosidade e logo surgiram as perguntas.

De um lado, se ouvia: “qual a planta?” “Como você consegue?” Na medida em que seu Eduardo passava seus resultados positivos, surgiam por parte dos agricultores e agricultoras experiências que já tinham realizadas, como a enxertagem. Porém, de formas diferentes, e adubos específicos para algumas determinadas tipos de plantas, solo, e outra técnica que as pessoas presentes mencionaram que iam desenvolver nas propriedades deles, o biofertilizante.

De repente um círculo cheio de plantas, galinhas e peixes despertou a curiosidade. Boa parte não sabia do que se tratava. Mas já mostravam interesse em ter um igual. Este “círculo” no centro da propriedade de Seu Eduardo era uma mandala, técnica que respeita a agricultura ecológica, onde quanto maior a diversidade de plantas, ou animais como o caso da do seu Eduardo, maior o equilíbrio ambiental e menor o índice de pragas e a necessidade de intervenção. Como muitos já diziam que desejavam fazer uma igual, como foi o caso do agricultor de Nordestina, Alberto Carneiro: ‘’Vou fazer uma. É bem melhor do que fazer apenas uma horta”. Após as declarações de contemplação, Eduardo passou para o grupo que antes de tudo é preciso se observar o que dá e o que não dá em cada  região e que tem que se atentar aos diferentes tipos de plantas,pois há plantas companheiras e outras que não se toleram”. 
Os agricultores e agricultores puderam ainda trocar conhecimentos a cerca da criação de caprinos e ovinos que o seu Eduardo tem na propriedade, inclusive ele tem em seu rebanho a segunda recordista baiana de leite de cabra. Perguntado sobre a alimentação do seu rebanho, se tinha algo a mais, seu Eduardo com sorriso no rosto respondeu: ‘’se alimentam com culturas da Caatinga, nossa Caatinga é rica, faço recaatingamento – Sem Caatinga não se reproduz’’.

Intercâmbio contou com 45 homens e mulheres do campo | Foto: Mirian Oliveira

Apesar do cansaço visível no olhar, de ter passado o dia todo ao sol, os/as participantes não se davam por satisfeitos. Quem pensa que iria faltar gás para o segundo dia de intercambio se enganou. Dona Josefa, de 68 anos, da comunidade de Várzea Comprida, em Queimadas (BA), disse que ainda tinha gás e que esperava aprender muito ainda: ‘’A gente cansa, mas vale a pena. Aprendi muito hoje e amanhã tenho certeza que vou aprender muito mais’’, relatou, alegria, dona Josefa.

No dia seguinte (22), a comitiva (assim chamada por eles/as no interior do ônibus) seguiu cedo para a propriedade do Seu Abelmanto Carneiro, conhecido como agricultor experimentador e criador do Projeto Ecológico Vida do Solo, que visa à convivência com o Semiárido de forma digna e produtiva e sustentável, através de técnicas que possibilitem ao agricultor familiar ser autossustentável.

Por volta das 8h da manhã, os agricultores e agricultoras já chamavam por Abel na cancela da propriedade dele. Com um carisma singular e cheio de alegria, Abel e sua esposa, Jacira, deram as boas vindas e já adentaram na propriedade. Assim como Eduardo, porém pioneiro, Abel desenvolve em sua propriedade um apanhado de técnicas para conviver no Semiárido. A maior parte das técnicas utilizadas na propriedade foram desenvolvidas pelo próprio Abelmanto.

Inventor e experimentador. Esses são alguns dos adjetivos comuns associados ao nosso agricultor. Para Abel, a vida do sertanejo é “acreditar, buscar, construir e transformar”. Por esta ótica, Abel deu a largada para as possíveis descobertas e trocas.

Logo nos primeiros passos dados, via-se que a propriedade de seu Abel é autossuficiente na questão a água. Com duas cisternas de produção, um barreiro, uma barragem subterrânea e diversas barragens sucessivas, seu Abel disponibiliza uma diversidade de árvores frutíferas, que logo despertou o interesse dos/as agricultores/as. A maioria queria saber se era possível que essas mesmas árvores se adaptariam na região deles, e qual o processo desde a muda, ou até mesmo ao enxertamento até dá o fruto. Na medida em que seu Abel ia respondendo, alguns deles falavam como fazia na propriedade deles, como foi o caso do seu José Pereira, que apesar da idade avançada, diz que ainda tem muito a aprender, mas em poucos minutos que falou, muito ensinou.

Seu José compartilhou sua experiência no plantio de capim, e ainda nos falou da importância das sementes crioulas: ‘’não é a mesma que compramos, a da roça temos certeza que nasce’’.
Os agricultores puderam conhecer infinitas técnicas desenvolvidas por Abel, como o sistema de gotejamento, enraizamento no caule das árvores, bebedouros inteligentes, vários tipos de irrigações alternativas, dentre outras técnicas.

Acostumados a plantar palmas, a qual é uma alternativa para driblar o período de seca alimentando os animais, os/as agricultores/as puderam ver diferentes formas de plantio desta cultura, como a curva de nível que é uma estratégia de maior captação de água e evitar erosão no solo entre outros benefícios.
A visita não era apenas para trocar saberes e conhecer novas experiências. Muitos/as participantes colocaram a ‘’mão na massa’’. Tudo começou quando seu Abel apresentou uma motocultivadora, aparelho de pequeno porte utilizado para arar terra. Todos queriam experimentar. Foi uma festa só.

As experiências com criação animal estiveram em pauta no intercâmbio | Foto: Mirian Oliveira

Muita coisa foi apresentada, como o biodigestor, utilizado como fonte de captação de gás. Mas muitas coisas também já eram desenvolviam nas propriedades, principalmente se tratando de plantio, pois este a maioria detém um conhecimento amplo.
“Algumas coisas eu já fazia. Mas conhecia muito a teoria. A prática bem pouca. Algum sistema de irrigação, por exemplo, já fazia. Mas to aprendendo e trocando muita coisa”, relatou seu Juvenal, do município de Queimadas.

Seu Abel apresentou ainda um viveiro de mudas. Os/as agricultores/as não só conheceram algumas culturas que não são típicas da região deles, como também puderam levar para casa algumas para experimentar. O coordenador do P1+2 pela Apaeb, Moises Inácio, ressaltou que todo agricultor deve ser antes um de tudo um experimentador.

Depois de um almoço servido com ingredientes proveniente da agricultura familiar, e a exposição de produtos artesanais feitos pelo grupo de produção Mulheres de Mucambo, todos e todas seguiram com uma bagagem repleta de conhecimento e com a missão de disseminar por onde passar.

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