Carlos Eduardo Leite: “Estamos ampliando nosso debate com outros segmentos da sociedade”

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Carlos Eduardo Leite, membro da Coordenação Executiva da ANA

A Articulação Nacional da Agroecologia (ANA) vai realizar, entre dias 16 e 19 de maio, o Encontro Nacional de Agroecologia (ENA). O evento, que é o maior do segmento, reunirá duas mil pessoas em Juazeiro (BA), com uma programação de atividades que inclui debates, apresentações, oficinas e uma feira, aberta à população da região. Em entrevista, Carlos Eduardo Leite, da coordenação executiva da ANA, fala sobre o evento, sua programação, seu tema e a conjuntura política para a defesa e promoção da agroecologia, nacional e internacionalmente.

Asacom – O que é o ENA? Por que esta edição acontece em Juazeiro?

Carlos Eduardo Leite – O ENA é o Encontro Nacional de Agroecologia. Este será o terceiro encontro. Ele já aconteceu em 2002, no Rio de Janeiro, depois em 2006, em Recife. É um momento importante da Articulação Nacional de Agroecologia em que a gente tenta mobilizar o campo agroecológico brasileiro, no sentido de fortalecer esse campo e discutir um outro modo de agricultura para o Brasil, mais justa ambientalmente, socialmente e economicamente. Essa proposta de fazer o ENA em Juazeiro valoriza toda a experiência acumulada das articulações, das entidades, das comunidades, dos agricultores e agricultoras do Semiárido brasileiro. O grande motivo de realizá-lo em Juazeiro é dar visibilidade e mostrar que a convivência com o Semiárido tem tudo a ver com a agroecologia, é a expressão da agroecologia no bioma Caatinga.

Asacom – Qual é o significado do tema do evento: “cuidar da terra, alimentar a saúde, cultivar o futuro”?


Carlos Eduardo Leite – Nós estamos, com esse tema, chamando a atenção para algumas questões. Primeiro, a importância da terra e dos territórios na reprodução da agroecologia, das populações tradicionais, dos agricultores familiares. Estamos querendo chamar a atenção do Brasil para a importância do tema da terra e dos territórios para que um novo modo de vida no campo possa se consolidar. A outra questão, quando fala da saúde e fala do futuro, é que nós estamos também ampliando nosso diálogo com outros segmentos da sociedade. O da saúde coletiva, o da economia solidária, o das redes de articulações de mulheres, da soberania e segurança alimentar. Esse ENA, diferente dos outros, amplia nosso leque, nosso campo de articulação e de diálogo para essas diferentes redes. Então, pensar a agroecologia é pensar a questão da saúde, é pensar o quanto nós precisamos banir do Brasil uma série de agrotóxicos, rever o absurdo que é a reprodução dos transgênicos no país, valorizar a alimentação saudável como parâmetro de soberania alimentar. Esse lema tenta nos provocar essas diferentes dimensões que debateremos lá em Juazeiro.

Asacom – Durante a fase preparatória para o III ENA, foram realizados encontros e caravanas agroecológicas em regiões diferentes, que identificaram potencialidades e dificuldades variadas nos diferentes contextos. No ano passado conquistamos o lançamento da Pnapo (Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica) e do Planapo (Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica), mas precisamos efetivar isso na prática. Como você descreve o cenário atual para a construção de um Brasil agroecológico e o papel do ENA nesse contexto?


Carlos Eduardo Leite – O cenário atual mostra um processo de enfrentamento muito difícil com o agronegócio, e por isso que nós fizemos as caravanas agroecológicas, debatendo com os participantes do ENA e das articulações regionais as problemáticas que nós estamos vivendo nos diferentes territórios, nos diferentes biomas, nos diferentes rincões brasileiros. Nós estamos vivendo uma disputa acirrada da agricultura familiar e camponesa com o agronegócio. A expansão do agronegócio, das monoculturas, da entrada de grandes projetos vem fragilizando e dificultando a expansão da agroecologia. Ao mesmo tempo, em algumas regiões, a própria agroecologia, através da articulação de atores como a ASA, no Semiárido, tem conseguido mostrar que há um outro modo de pensar a convivência com os biomas, como no caso do Semiárido. As caravanas são a expressão de uma reflexão que nós queremos fazer sobre a disputa da agroecologia nos territórios do agronegócio. As caravanas vieram denunciar uma série de situações críticas nessa disputa. Por isso elas foram construídas. O ENA também tem um outro viés que é avaliarmos o primeiro período de execução do Planapo. O chamado Brasil Agroecológico é um termo que o Governo cunhou, e nós queremos discutir qual Brasil Agroecológico nós da ANA acreditamos. Esse Plano Nacional foi, inclusive, elaborado conjuntamente conosco, mas até que ponto ele consegue realmente fazer avançar a agroecologia no Brasil? Um dos momentos importantes do ENA, além dos momentos de troca de experiências, de socialização, de debates temáticos, vai debater quais são os desafios para que o Planapo possa se efetivar e se fortalecer no sentido de promover a agroecologia no Brasil.

Asacom – Pela sua fala, percebe-se que a construção da agroecologia é uma luta, com o agronegócio de um lado e a agroecologia de outro. Então, porque interessa à sociedade apoiar a agroecologia?


Carlos Eduardo Leite – É exatamente essa a pergunta que a gente está fazendo para ser respondida durante o ENA, antes, durante e depois do próprio ENA. A gente quer com esse ENA fazer um debate com a sociedade. Abrir o debate da agroecologia para os meios urbanos. Por isso também convidamos setores da economia solidária e de outros movimentos para estarem conosco nesse encontro e fazer um debate no sentido de identificar como a agroecologia contribui nas cidades, com o consumo de alimentos saudáveis, com a qualidade de vida no campo, que diminui a migração e o inchaço das grandes cidades, e como a agroecologia contribui para um novo modo de vida no campo, que equilibra essa relação entre cidade e campo, e que gera mais qualidade de vida tanto para as pessoas da cidade como para as pessoas do campo.

Asacom – Como o debate da agroecologia se coloca internacionalmente, na América Latina e em outros países?


Carlos Eduardo Leite – O debate da agroecologia hoje está em diferentes continentes, em diferentes países. Nós temos articulações latino-americanas que debatem a agroecologia, e temos vários países que promovem experiências na área da agroecologia. Talvez a novidade do Brasil seja que é o único país, me parece, onde nós temos um esforço de construir uma política pública nessa área. Muitos países estão olhando o Brasil com muita atenção nesse momento onde a gente construiu uma política pública e estamos agora tentando colocá-la em prática.

Asacom – Além dos debates e apresentações previstas, é esperado um fluxo de trocas de conhecimentos também na Feira de Saberes e Sabores. Como ela está sendo estruturada?


Carlos Eduardo Leite – Nós vamos ter vários momentos no ENA. Um momento de sessões plenárias, em que debateremos um pouco essa questão da disputa pela agroecologia nos territórios. Teremos seminários temáticos com temas de interesses que foram levantados nas caravanas, que vão desde a questão dos transgênicos, da vigilância sanitária, do acesso aos mercados, a construção do conhecimentos agroecológico, e outros temas. Teremos oficinas autogestionadas, por iniciativa dos participantes. E teremos também a feira, que nesse encontro ocupa um papel central. Vai estar situada estrategicamente em um espaço de bastante circulação das pessoas, e nós pretendemos que seja um espaço de trocas, de conversa, de debates, de aproximação entre os integrantes do encontro. Nós temos 35 stands, com um por estado da federação, onde se espera uma troca de produtos e experiências muito intensa. Vamos ter uma feira de sementes crioulas, onde vamos socializar a riqueza da biodiversidade brasileira. Com isso a gente pretende favorecer ao máximo possível o intercâmbio entre os agricultores, já que é um encontro prioritariamente de agricultores e agricultoras. A gente pretende no espaço da feira, na troca de produtos e experiências, fazer da feira o espaço central do encontro.

 

*ASACom

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