“A gente andava quatro horas para procurar água pra beber”, diz moradora do semiárido nordestino
O município de Santo Antônio (RN), localizado a cerca de 140 quilômetros de Natal, é uma das 99 cidades do semiárido nordestino que estão começando a ter sua realidade social transformada com o acesso à água mesmo durante a longa estiagem.
Ao contrário dos moradores do Estado de São Paulo, que começam a sofrer agora com o risco de racionamento de água devido à falta de chuva, a escassez de recursos hídricos é um problema recorrente para as famílias da região.
Durante essa semana, o R7 traz uma série de reportagens sobre a escassez de água no Nordeste e as alternativas que a região encontra para enfrentar o drama da estiagem.
Desde que nasceu, há 45 anos, a sertaneja Maria Lúcia da Silva mora na comunidade de Baixio, na zona rural de Santo Antônio. Ela criou os cinco filhos em uma casa simples no semiárido, comendo o que plantava. Nos períodos de estiagem, saía de madrugada com o marido atrás de água para família.
Enquanto os filhos dormiam, o casal caminhava duas horas até o poço mais próximo e, às vezes, encontrava apenas barro. Os dois voltavam, andando por mais duas horas, sem saber o que fariam para matar a sede dos filhos.
— A gente deixava os bebês dormindo e ia longe atrás de água. Quando a gente trazia água era bom. Mas, e quando não trazia, só trazia lama? Dava pra tirar um pinguinho para fazer o mingau do bebê. Eu sofria. Via meus filhos pedindo água e não tinha.
O pai dos meninos, Noé da Silva, 46 anos, diz que a chegada da cisterna mudou a vida da família. Desde novembro do ano passado eles começaram a captar água da chuva.
— Mudou muito minha vida. Antes não tinha água nem para beber ou cozinhar. Tinha que pegar um balde no vizinho para tomar banho. Hoje, graças a Deus, a cisterna está cheia.
A cisterna é composta de um sistema de captação de água instalada no telhado, que leva a água da chuva direto para o reservatório, construído ao lado da residência.
A água acumulada pode ser usada para beber, cozinhar e tomar banho, além de outras atividades domésticas. A expectativa é de que, em uma família com cinco pessoas, a água seja suficiente para os nove meses de seca durante o ano.
Cisterna de produção
Além da cisterna pré-moldada, que é usada para armazenar água para consumo doméstico, o governo, em parceria com entidades da sociedade civil, investe em cisternas de produção, que servem para captar água da chuva e usá-la nas hortas que as famílias mantêm.
Esse tipo de cisterna tem uma capacidade maior, de 52 mil litros, e leva em média 15 dias para ficar pronta.
Ismael, o filho mais velho de Maria Lúcia e Noé, cultiva uma horta em casa. Como a família ganha menos de R$ 140 por pessoa por mês, também foi beneficiada com a cisterna de produção.
Ismael planta hortaliças e verduras. Ele diz que, com o reservatório de água, espera não perder mais a plantação por causa da seca — como já aconteceu várias vezes.
— A gente conseguia irrigar com a ajuda de um amigo, que tinha um reservatório maior, ou implorava para a prefeitura. Agora, minha prioridade é alimentar a minha família. Se sobrar, eu levo para vender na feira.
O objetivo da cisterna de produção e garantir a segurança alimentar do semiárido, impedir o êxodo rural oferecendo possibilidades de as famílias sobreviverem na região e aumentar a renda da população, apostando que, além do próprio sustento, os pequenos agricultores consigam produzir um excedente para vender.
O programa Brasil Sem Miséria, por meio do projeto Água para Todos, já entregou 55 mil cisternas de produção no semiárido brasileiro, onde vivem 22 milhões de famílias. Os reservatórios são construídos por meio de parceiras com entidades da sociedade civil, como a FBB (Fundação Bando do Brasil) e a Asa (Articulação Semiárido Brasileiro).
*A jornalista viajou a convite da Fundação Banco do Brasil