Uma terra e duas águas por um Semiárido forte e soberano

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Através do relato do agricultor familiar Orlando Ribeiro, conhecemos boas experiências em Boa Nova (BA). Com a chegada do P1+2 e de 90 tecnologias sociais de captação de água da chuva, a perspectiva do campesinato é de fortalecimento.

Na terra de Boa Nova/BA, as gotas d’água já caíram e fizeram brotar o verde na Caatinga. Nas comunidades beneficiadas pelo Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), executado pelo Instituto de Formação Cidadã São Francisco de Assis (ISFA), essa chuva trouxe consigo mais um significado para agricultoras e agricultores.

Famílias agricultoras comemoram tecnologias e chegada das chuvas. | Foto: Adalberto Viana/Arquivo ISFA

Além de molhar a terra, a água da chuva foi captada e armazenada pelas tecnologias sociais construídas nas comunidades. Serão implementados ao todo 15 barreiros-trincheiras, 29 cisternas-enxurrada e 45 cisternas-calçadão. Ao guardar esta água, as famílias agricultoras poderão dar continuidade à caminhada pela soberania alimentar. Assim, será possível dessedentar sua criação animal e aguar sua plantação com segurança nos períodos de estiagem.

Durante todas as atividades do P1+2, a Comissão Executiva Municipal (CEM) de Boa Nova se fez presente e já percebe que para além da tecnologia em si, as comunidades também puderam partilhar mais saberes que ajudarão diretamente em sua autonomia. Orlando Ribeiro, o conhecido Cutinga, é membro da CEM, presidente da Associação Comunitária da Ruinha e também coordenador do Grupo de Jovens da comunidade. “Pra mim mesmo, em nossa comunidade, graças a Deus, melhorou muito, o povo tá incentivado, tá acreditando. Porque nossa região era muito sofrida, com essas tecnologias a gente tem melhorado!”, relatou Cutinga.

Depois de conquistarem o barreiro-trincheira, o agricultor e sua família já semearam a terra e esperam uma boa colheita. Através da diversidade da cultura, Cutinga pôde experimentar novas possibilidades: resgatou o plantio da bucha vegetal, que estava extinta na comunidade, e fez um pequeno criatório de peixes dentro do barreiro.

“Graças a Deus, o barreiro-trincheira tá cheio e as cisternas tá tudo cheia também! A plantação tá ótima, a minha área do meu barreiro tá assim que eu considero uma riqueza. Porque eu já coloquei peixe e fiz meu plantio de feijão, abóbora, milho, palma, ração, tudo estou fazendo em meu plantio. (…) Que até a bucha, que era pra nós uma extinção, eu tive o prazer de plantar.”, contou o agricultor.

Um viveiro de esperança

 Próxima à Ruinha, a comunidade do Lajedão recebeu o apoio do P1+2 para construção do viveiro comunitário de mudas. O viveiro será um espaço destinado para o cultivo de várias espécies de árvores, que deverão ser trocadas entre os (as) moradores (as) interessados (as).
 
O objetivo é simples, reflorestar a caatinga com a maior diversidade possível e promover quintais mais ricos em frutíferas, que poderão garantir a todas as famílias mais um apoio para sua segurança alimentar. Assim, o povo sertanejo poderá partilhar mudas, experimentar técnicas de plantio e, com o excedente da produção, iniciar, futuramente, uma possível comercialização.

Para Cutinga, a comercialização simboliza um passo importante para a geração de renda extra através da agricultura camponesa. “A minha esperança [é] que vai ser uma coisa boa, uma coisa que a gente não tinha intenção de um dia ter.” Cutinga ainda expressa como é difícil das pessoas acreditarem que as mudas podem dar certo. “A gente [achava] que morria e não tinha jeito de como lucrar. E hoje a gente já tem, lá [na Comunidade de Lajedão], o primeiro passo. Que é o caso que eu fiz essa experiência há 2 anos [com viveiro de mudas do Projeto Gente de Valor da Companhia de Desenvolvimento e Apoio Regional – CAR], que eu já me alimento disso. E a minha expectativa desse viveiro é do próximo ano eu ter até renda com estas mudas. Vai ser mais uma experiência pra nós, e eu creio que tudo vai dar certo não só pra mim, como para todos os moradores”.

Quer saber mais sobre o viveiro de mudas? Clique aqui: http://www.asabrasil.org.br/Portal/Informacoes.asp?COD_NOTICIA=8279

Juventude organizada na troca de boas experiências

A mobilização social é um importante passo para que as comunidades camponesas possam lutar de forma organizada pela sua autonomia. E todas as faixas etárias são vitais para que a comunidade possa partilhar das mais diversas visões e resoluções de suas problemáticas.

Crianças e jovens devem participar ativamente da construção de uma comunidade mais digna, que lhes permita crescer junto com suas raízes, tornar seus sonhos e aspirações realizados, sem necessitar de um êxodo para cidade. O “envelhecimento do campo”, decorrente da saída dos jovens de suas comunidades, é um problema recorrente, que, através do diálogo e de novas experiências, pode ser reduzido.
Para se conviver com o semiárido, a promoção de uma educação contextualizada, que debata sobre a realidade camponesa, é uma ação essencial para o fortalecimento do campo. Assim, a juventude poderá construir e fortalecer os laços afetivos e o sentimento de pertença com sua terra.

O grupo de jovens “Uma Nova Conquista”, no qual Orlando da CEM auxilia na organização, é uma iniciativa da própria comunidade em fortalecer a juventude rural, através de formações e capacitações. Integrante das atividades do P1+2, como os Intercâmbios intermunicipais e estaduais, a juventude da Ruinha e de outras comunidades puderam partilhar saberes e pensar novas iniciativas e perspectivas.

Para Cutinga essa caminhada conjunta com a ASA foi uma experiência muito importante, e os resultados já são reconhecidos: “A gente tem um grupo de jovem muito forte. A gente tinha um grupo em 2011 que era muito fraco de participações e de conhecimento, e aí a gente chegou num ponto de deixar até cair. Mas a gente conseguiu resgatar, e hoje tem um grupo incentivando até as comunidades vizinhas. A gente tinha um grupo de 23, hoje nós temos um grupo de 56!”.

As experiências simples, mas muito significativas trabalham algumas noções de economia solidária entre os (as) integrantes, como também permitem o acesso a uma educação mais elaborada, que potencializa a juventude na busca pelo saber e pela melhoria de sua condição. O orgulho e a alegria do agricultor familiar não se disfarçam e sua perspectiva é de aumentar as ações e transformar a realidade da juventude rural.

“O projeto futuro [do grupo de jovens] é bem simples: adquirir outros cursos. Nas atividades tem reunião mensal, (…) doação que a gente faz para ajudar, se tá precisando de alimentos, dá alimento, se precisar de valores, dá valores. E também com um curso de inglês, com uma meta de 1 ano. E é isso!”, resume com alegria Cutinga.

E assim, com experiências positivas e criativas, o povo do Semiárido se empodera cada dia mais de sua autonomia, com segurança hídrica e alimentar, partilha de saberes e na constante e árdua luta pela soberania.

(*) O P1+2, executado pelo ISFA, é um contrato de patrocínio entre a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e a Petrobras. Com a atuação em três municípios, Boa Nova, Manoel Vitorino e Maracás, está beneficiando 270 famílias com tecnologias sociais de segunda água para comunidades rurais, além de fomentar iniciativas que tragam soberania ao povo desse Semiárido tão diverso e rico.

*Com colaboração de Eliane Almeida

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