Projeto Florestação realiza intercâmbio intermunicipal

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Agrofloresta de Seu Juvenal | Foto: Alexandre Greco / Arquivo Cetra

Nos últimos dias 19, 20 e 21 aconteceu o intercâmbio intermunicipal do projeto Florestação, que saiu de Itapipoca e cortou o sertão cearense para aportar na cidade do Crato, no Cariri. A viagem que partiu no meio da manhã, de Itapipoca, passou por vários municípios; Apuiarés, Canindé, Madalena, Quixeramobim, Acopiara, Várzea Alegre, Iguatu e finalmente; Crato, que recebeu os agricultores dos Vales do Curu e Aracatiaçu com muita chuva e frio, no pé da Chapada do Araripe, onde todos foram presenteados com uma bela paisagem onde se via a cima a chapada e a baixo a cidade do Crato.

Minha vida é andar por esse país, pra ver se um dia descanso feliz“.

Apesar da jornada cansativa, o grupo de 25 agricultores acordou cedo e empolgado com a viagem até a agrofloresta de Vilmar e Silvanete, experiência acompanhada pela Associação Cristã de Base – ACB, através de sua coordenadora executiva Socorro Silva. Fomos guiados até a comunidade Paus Dóia, que fica em Exu, Pernambuco, terra do Rei do Baião, Luiz Gonzaga, que fez acender a luz da memória afetiva de vários agricultores que aos poucos foram lembrando do homem que “cantou a vida do sertanejo” como bem lembrava, saudosista, o Pessoa, da comunidade Caldeirão dos Neto, em Itapipoca.

Enquanto cantavam alguns versos de “Seu Luiz” a bela vista da reserva florestal do Araripe ia conduzindo os viajantes até o segundo Mandacaru que marcava a entrada para o sítio de Vilmar.

Chegando na agrofloresta foram todos recepcionados por Silvanete e Vilmar que fizeram questão de conhecer cada visitante por nome e local de origem. Depois das apresentações foram todos seguindo o pulsante Vilmar, que fez um histórico breve da comunidade, falando das espécies mais cultivadas na região e de alguns problemas, como o crescente monocultivo de eucalipto, que pode levar a uma desertificação do solo. Após a leitura do cenário em que está sua unidade agroflorestal, Vilmar passa a guiar a visita a partir da entrada do sítio explicando a forma de manejo de suas plantas.

Vilmar é uma espécie de enciclopédia botânica do Araripe, conhece, cientificamente, todas as plantas que cultiva, diz o nome popular e científico e enquanto numera as utilidades e possibilidades de cada fruta, hortaliça ou leguminosa, arranca perguntas dos agricultores que se mostram surpresos com a quantidade de informações que acumula sobre o solo e a agrofloresta que mantém em sua propriedade.

Os agricultores puderam levar várias mudas, de macaxeira à ingá, de pimenta à frutíferas, conheceram novas espécies, como o cambuí, por exemplo, que Vilmar transforma em Licor da melhor qualidade. O anfitrião trouxe aos visitantes a importância do manejo em consórcio e de como é preciso entender a natureza das plantas, o desenvolvimento delas, a forma como lidam com a falta e o excesso de água.

Vilmar ressalta que é preciso observar e experimentar sempre, saber conviver com os animais que criamos e sobretudo, os selvagens, que transitam por ali atrás de alimento. Por fim o grupo pode experimentar o Licor que Vilmar fabrica e degustou de um almoço todo produzido com produtos de seu sítio.

Após o almoço, Vilmar e Silvanete falaram da importância do armazenamento de sementes e a criatividade na confecção de produtos, ele lembrou que a agroecologia lhe garantiu uma produção mais diversificada e com isso ele pode criar geleias, licores, cachaças, doces e demais produtos que lhes garantiam renda durante a estiagem. Ressaltou também a importância da comunicação e da troca de informações, mostrou algumas publicações de entidades parceiras como ACB e Caatinga, falou da importância do trabalho dessas entidades e da relevância política da ASA por uma nova forma de ver o Semiárido.

Saindo da comunidade Paus Dóia e da experiência de Vilmar o grupo tomou a estrada novamente, voltando para o Ceará, rumo a Nova Olinda, onde reside seu Zé Arthur, outro agricultor agroflorestal, dessa vez ao som de “Juazeiro, Juazeiro, me ‘arresponda’ por favor, Juazeiro velho amigo, onde anda meu amor…”.

Aqui não tinha árvore e olha só como é hoje
Zé Arthur

Visita de intercâmbio | Foto: Alexandre Greco / Arquivo Cetra

Depois da visita em Paus Dóia, Socorro levou o grupo até a experiência de Seu “Zé Arthur” e Dona Bastinha, que fica na comunidade de Sítios Patos, em Nova Olinda, outra experiência de sucesso acompanhada pela ACB. Além de unidade agroecológica, a propriedade de Zé Arthur e Bastinha é uma pousada de turismo rural, onde o hóspede pode conhecer um pouco mais da agrofloresta e do cotidiano da família, além do contato direto com a natureza e as tradições da cultura local.

Zé Arthur é um senhor de idade, mas como ele mesmo diz “não se troca por nenhum menino mais novo”. Zé guia o grupo por sua propriedade, mostrando o cultivo do feijão e demais produtos, fala do manejo específico de algumas espécies frutíferas e conversa bastante com ogrupo sobre o processo de transição agroecológica: “Quem não tem experiência para plantar no 'mato' é complicado, mas basta trabalhar”, e completa dizendo “tá no produtor querer fazer, o 'cabra' tem que acreditar, na hora que ele vê que dá certo e fica melhor do que queimando, aí sim, ele muda e nunca mais volta”.

Enquanto Zé Arthur conversa com os agricultores, Dona Bastinha mostra a grande quantidade de polpa de frutas que armazenam em sua propriedade. São cerca de 2 freezers grandes, cheios de polpas de Manga e Acerola, um dos produtos que lhes garantem renda mensal equilibrada e ameniza consideravelmente os impactos da estiagem. No fim, Zé Arthur pode dar mais dicas sobre o manejo agroecológico: mostrou a transformação que sua propriedade passou a partir do momento em que decidiu largar as formas tradicionais de cultivo, evitando, por exemplo a queimada e o uso de agrotóxicos.

A noite já havia pego o grupo que agora se reunia pra retornar ao Crato, todos bem empolgados com as experiências que puderam conhecer ao longo do dia, trocando observações sobre o quintal de Vilmar (veja matéria passada) e agora sobre a persistência e vitalidade de Zé Arthur, que fez uma interlocução detalhada sobre algumas técnicas de manejo. Diante da produtividade desse primeiro dia, o grupo já estava empolgado para o segundo dia de visitas e, no roteiro, a visita a Feira Agroecológica do Crato, acompanhado de uma conversa com feirantes e membros da ACB para conhecer o histórico da feira, que já completou 11 anos de atuação e depois, uma visita a casa de sementes e unidade agroflorestal de Seu Juvenal.

Seu Juvenal e sua Agrofloresta – Na sexta pela manhã o grupo acordou cedo e nem o sol tinha apontado no alto da chapada e todos estavam no ônibus, rumo a rua Cariris, no bairro Independência, pra conhecer a Feira Agroecológica do Crato, tradição na comercialização solidária com mais de 11 anos na praça. A visita serviu para comprar alguns produtos, mel, hortaliças, sementes, defensivos naturais. Depois da visita e do bate papo que se estendia de barraca em barraca, a ACB abriu suas portas pra receber os participantes do intercâmbio e poder contar um pouco sobre a história da feira, como surgiu, as dificuldades iniciais, os feirantes e a comercialização.

Quem conduziu a conversa foi a coordenadora executiva da ACB, Socorro Silva, que reconstruiu a história da feira e trouxe alguns feirantes que puderam partilhar os avanços e desafios de produzir e comercializar produtos agroecológicos. Alguns dos agricultores que estavam no intercâmbio também são feirantes agroecológicos e participam ativamente da Rede de Agricultores/as Agroecológicos e Solidários dos Vales do Curu e Aracatiaçu. Os agricultores puderam avaliar as dificuldades com a produção, devido estiagem, os produtos que conseguiram vender bem em cada região e as intempéries em relação a comercialização e organização em rede ou associação, o feirante Zé Valdo vai além e diz: “Além da diversidade de produtos, tem essa coisa do valor sentimental, contribui muito na qualidade do produto”. No fim, agricultores e feirantes identificaram os elementos positivos na opção por uma comercialização que visasse o contato direto com o consumidor e assim poder oferecer preços mais acessíveis por produtos orgânicos.

Após a visita na ACB o grupo se dirigiu até o bairro de batateiras, zona urbana do Crato, umas regiões mais periféricas, lá, encontra-se seu Juvenal, que também estava na feira e nos convidou para conhecer a casa de sementes que mantém em sua casa e sua unidade agroflorestal, um quintal lindo, que vai da criação de peixes e galinhas até frutíferas, hortaliças e leguminosas. O grupo foi recebido na casa de sementes, onde seu Juvenal contou a história de persistência que foi criar e manter esse espaço, mas reitera que todas essas adversidades foram importantes pra sua conscientização ambiental e política, pra ele, cada infortúnio o deixava mais forte em seus objetivos “hoje é pior, estão acabando com tudo, e fora isso esse analfabetismo político é nosso maior problema” reclama seu Juvenal.

Depois do diálogo mais político o grupo se dirigiu até o quintal onde se deparou com um cenário muito interessante, uma agrofloresta em plena zona urbana; o pequeno tanque onde cria tilápias e as várias árvores criaram um microclima muito mais ameno que o calor que começava a surgir, depois dos dias de chuva. Na caminhada pelo quintal, Juvenal mostrou seu viveiro de mudas, onde pode distribuir algumas espécies para os agricultores; abacate, macaúba, pimentas e plantas ornamentais estavam entre os preferidos. Depois da caminhada pela agroflorestal, o grupo rezou um pai nosso, desfrutou de um suco de folha feito de siriguela com cravo, canela e um pouquinho de cachaça e aí: pé na estrada!

 

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