Mais de 15% da região do semiárido alagoano vira deserto
Chão sem vida. Terra calejada onde o verde não brota mais. O semiárido alagoano sofre de um problema silencioso, que transforma o que antes era sinônimo de sobrevivência em algo com o qual não se pode mais contar. Resultado da escassez de chuvas e da ação predatória do homem, a desertificação se expande e já atinge de 15% a 20% dessa região no estado.
O problema é global e as perspectivas para que ele estanque não são as mais otimistas. Para se ter uma ideia, estima-se que, em todo o mundo, dentro do período de um ano, um total de 35 milhões de hectares esteja perdendo a capacidade de produção. Em Alagoas, essa situação está presente em toda região do semiárido, que abrange 38 municípios.
Vários fatores contribuem diretamente para que a desertificação tenha cada vez mais espaço, tornando inférteis terras que antes produziam alimentos. O desmatamento da caatinga, bioma característico do semiárido do Nordeste brasileiro, por exemplo, não para de avançar, fazendo com que o solo fique descoberto e exposto à ação de diversos agentes, sejam eles naturais ou provocados pelo homem – como a forte insolação e o uso indevido de terrenos para criação de gado.
De acordo com o coordenador do Ponto Focal Governamental de Combate à Desertificação da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh), Marcelo Ribeiro, o desmatamento desse bioma é crescente, restando atualmente apenas 11% da cobertura vegetal original da caatinga em Alagoas, sendo que o percentual mínimo recomendado pelo Código Florestal é de 20% de área representativa.
Existe um desconhecimento generalizado da caatinga. Por ser uma vegetação que não é visualmente atrativa, assim como acontece com a Mata Atlântica, as pessoas acabam desmatando e contribuindo para o avanço da desertificação”, ressalta Marcelo, destacando que, no estado do Piauí, por exemplo, o percentual de cobertura vegetal é de 35%.
Com os terrenos limpos, sem vegetação, o solo fica suscetível às altas temperaturas e ao vento. Como na região semiárida a camada fértil é muito fina – tem no máximo 30 cm -, acaba ocorrendo facilmente um desgaste dessa superfície, que não mais terá vida. Além disso, ainda há o problema da má utilização do espaço pelo homem. A criação de um grande número de cabeças de gado em um pequeno espaço é um exemplo disso, pois extrapola a capacidade de uso sustentável da localidade, provocando a compactação do solo e a consequente dificuldade de penetração da água.
Seca
A estiagem prolongada também potencializa o processo da desertificação. A falta de chuvas, que se intensificou no ano de 2013, quando foi registrada a pior seca dos últimos 50 anos, aliada a outros fatores, deixa a paisagem ainda mais cinza, o chão rachado e um aspecto desértico, acarretando em uma série de problemas sociais.
“A desertificação é assintomática, dificilmente percebida a olho nu, quando está em processo. Só quando a área deixa de produzir e não se consegue colher a safra, é que fica claro o que ocorreu e acaba acontecendo um efeito dominó, que reflete na economia, na agricultura familiar, na renda dos municípios, no abandono de terras e no êxodo rural, fatores que levam à situação de miséria”, ressalta o especialista em desertificação.
O professor Humberto Barbosa, coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite da Universidade Federal de Alagoas (Lapis/Ufal), afirma que o processo de reversão da desertificação é possível, mas que representa um custo muito alto. Ele também aponta a seca, o desmatamento, o pastoreio e a ocupação indevida como os principais causadores do problema, ressaltando que somente a chuva não é capaz de solucioná-lo.
“As áreas degradadas não têm mais vida, são desertas, e já correspondem a uma área considerável do semiárido de Alagoas. Eu diria que entre 15% e 20% do solo já está comprometido. As chuvas podem ajudar a melhorar a situação, mas é preciso que o desmatamento e a exploração excessiva dos recursos naturais cessem”, enfatiza o professor, sem apontar os municípios mais afetados pelo fenômeno no estado.
Reflorestamento
Para Marcelo Ribeiro, além da conscientização da população, o replantio da caatinga é uma saída para conseguir a recuperação de áreas e impedir que a desertificação avance ainda mais.
“O reflorestamento é uma saída, mas não é uma coisa fácil. Principalmente, porque a caatinga pode levar até 40 anos para se regenerar. Mas, antes de qualquer coisa, é preciso que haja uma mobilização social e que as pessoas se tornem protagonistas nesse processo, porque se elas não pegarem a responsabilidade para si, de nada vai adiantar, e a erosão do solo vai continuar a crescer”, fala.
Diante de uma situação alarmante, uma lei estadual de 2012 instituiu a Política Estadual de Combate e Prevenção à Desertificação em Alagoas, que tem o objetivo de encontrar e aplicar mecanismos que ajudem a conter o avanço do problema e a recuperar as áreas já afetadas.
Pouca coisa foi feita, até o momento, e a aplicação da lei tem se resumido a ações pontuais, que não refletem diretamente na mudança da realidade. Segundo Marcelo, faltam recursos para que os trabalhos possam ser executados.