Jovens encontram oportunidades e perpetuam a cultura da agricultura familiar no Semiárido

Projetos com a juventude nos estados do Ceará e da Paraíba promovem encontros, oficinas e criam comissões onde filhos/as de agricultores familiares aprendem a dividir os cuidados com a propriedade e a participar da renda familiar.
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Aos 20 anos, o jovem Breno Veríssimo se dedica ao curso técnico de agropecuária, é gestor voluntário de projetos como o Casa Digital Pedro Félix da Silva, o viveiro de mudas e o grupo musical O Canto do Sabiá, todos com assessoria técnica do Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador (CETRA), organização que compõem o Fórum Cearense pela Vida no Semiárido. Morador do Assentamento Várzea do Mundaú, na comunidade de Vieira dos Carlos, na região do Trairí (CE), ele conta que no início pensou em largar tudo e seguir para a cidade grande. Com o tempo, foi compreendendo que poderia adquirir conhecimento e trazer de volta para o seu povo e a sua comunidade.

Dados do censo do IBGE de 2006 afirmam que 29,5% dos jovens pobres estão no meio rural. E ainda que o nível de escolaridade desses jovens é 50% inferior ao dos jovens urbanos. Os sonhos de uma independência financeira e de uma vaga no mercado de trabalho acabam fazendo alguns jovens acreditarem que a migração do campo para a cidade é a alternativa mais promissora. “Não era meu desejo, era como se fosse uma obrigação. No começo pensei em sair de lá [assentamento] porque era difícil. Depois que participei de oficinas de beneficiamento do coco e de fotografia, comecei a olhar para o quintal de minha casa, trabalhar com a agroecologia, e a enxergar outras possibilidades que há no campo”, conta Breno.

Comissão de Jovens do Polo da Borborema em reunião. | Foto: Site da AS-PTA

Para o membro do Núcleo da Infância e Juventude e um dos coordenadores da organização AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, da ASA Paraíba, Manoel Roberval da Silva, o cenário aponta para novas oportunidades dos jovens permanecerem no campo e de produzir alimentos. De acordo com Roberval, as oportunidades de realizar cursos técnicos, participar de capacitações, aprender com a região a encontrar caminhos para continuar no campo variam de acordo com a região. Enquanto alguns jovens trabalham no plantio de palmas, na forragem, outros optam pela comercialização de hortaliças e frutas nas feiras agroecológicas, e participam da renda familiar.  “Não temos estudos [científicos], mas temos alguns depoimentos de famílias que apontam para isso [permanência do jovem no campo] e para oportunidades dos jovens estudarem na sua região”, explica Roberval.

O coordenador conta que o trabalho com a infância e juventude rural na Paraíba teve início em 2002, criando-se um processo de articulação nas comunidades que abrangem os municípios de Solânea, Remígio, Alagoa Nova, Massaranduba, Lagoa Seca e Queimadas, para que os filhos de agricultores/as possam dividir espaço e renda com os pais na propriedade. Em atividades, sempre discutem temas como sementes, água, saúde, por meio de momentos lúdicos e de recreação. “Hoje, as crianças se tornaram jovens e estão contribuindo em seus sindicatos, envolvidos com o Fundo Rotativo Solidário e feiras agroecológicas”. Os jovens se organizaram através de uma Comissão de Juventude, formada por representantes de 13 sindicatos da região do Polo da Borborema. A comissão organiza e promove oficinas para produção de mudas, mantém a comissão articulada, debatem sobre a questão de gênero trazendo para os jovens a dimensão da ocupação dos espaços igualitários no campo entre homens e mulheres  e dialogam sobre como os jovens podem, a partir de suas experiências, passar a ter sua própria renda.

Os debates e encontros fazem parte do Projeto Sementes do Saber, desenvolvido pela AS-PTA em parceria com a Comissão de Jovens do Polo da Borborema, com apoio do Comitê Católico Contra a Fome e pelo Desenvolvimento (CCFD) e o co-financiamento da União Europeia. Tem como objetivo promover a inserção produtiva e econômica dos jovens nas comunidades rurais, além de articular a juventude e reafirmar a sua identidade. Em regiões mais secas, por exemplo, os jovens trabalham na criação de animais. Em áreas mais úmidas investem no roçado e nos cuidados com os arredores de casa. A ação tem dado apoio na formação e experimentação. São nos encontros, oficinas, reuniões e mutirões por comunidades que aprendem o processo de arborização, de cuidar dos viveiros e o valor das sementes crioulas.

Assim como o jovem cearense Breno, Gabriela Galdino dos Santos, de 18 anos, acredita nas potencialidades do Semiárido e é umas das articuladoras da Comissão de Juventude do Polo da Borborema. Filha de agricultores mora no sítio Nicolândia, município de Massaranduba, na região do Polo. Desde os 8 anos se engajou na campanha de Fortalecimento da Vida na Agricultura Familiar. Aos 15 anos começou a estagiar no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Massaranduba. “Hoje participo do Fundo Rotativo Solidário para jovens e tenho uma cabra que já deu cria. Na minha propriedade temos uma cisterna-calçadão e por isso construímos três canteiros econômicos, onde plantamos alimentos para nosso consumo”. Tudo é produzido em conjunto com a família. Ela conta que hoje a Comissão de Juventude também iniciou um trabalho com coleta de sementes, a partir de mutirões nas comunidades. A ideia é que possam fazer a troca de sementes uns com os outros.

Gabriela tem consciência de que a educação no campo é um direito. Ela concluiu o ensino médio onde mora, mas agora planeja cursar pedagogia em uma universidade federal. Mas quando perguntada se pretende deixar a agricultura familiar, ela garante que os planos são trazer o conhecimento adquirido lá fora para investir nas crianças e nos jovens do Polo. “Antes os jovens queriam trabalhar em fábricas, ir para o Rio de Janeiro e São Paulo. Hoje, os envolvidos têm consciência de ficarem aqui e permanecerem no lugar onde moram e dar continuidade à cultura dos nossos pais”, conclui.

Casa Digital/Ceará – Teve início em janeiro deste ano e é um projeto do governo federal que conta com assessoria técnica do CETRA. Os jovens, filhos de agricultores, tem entre 13 e 27 anos, e são responsáveis pela manutenção e comercialização do viveiro de mudas, atividades que são remuneradas. Com essa renda, os jovens têm o compromisso de custear as despesas da casa. Além do projeto, eles participam de oficinas e encontros territoriais sobre agroecologia e socioeconomia solidária. O 8º Encontro Territorial de Agroecologia e Socioeconomia Solidiária (ETA) acontece essa semana no município de Itapipoca.

Segundo a comunicadora popular da ASA, Flávia Cavalcante está programada uma exposição fotográfica itinerante, a II Exposição da Juventude Rural do Território Vales do Curu e Aracatiaçu, com o tema “Meu lugar tem as cores do Semiárido”. “Essa exposição envolve cerca de 70 jovens das comunidades do Purão, Vieira dos Carlos e Batalha (Trairí) e Sítio Coqueiro (Itapipoca). Ontem (12), na programação do ETA, foi a vez de Itapipoca receber a iniciativa que partiu de jovens multiplicadores integrantes do Projeto Terra Viva: Um novo olhar da juventude sobre o meio rural, realizado pelo CETRA. 

 

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