Armazenar e distribuir

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A última estiagem deixou claro o quanto o problema é complexo. Mostrou também que a solução definitiva contra a seca passa por investimentos pesados no sistema de distribuição de água no interior do Nordeste. O sofrimento do Semiárido é intensificado em anos de estiagem por causa da fragilidade da malha de adutoras que cortam a região. No auge da última seca, foram 40 municípios com dificuldades no abastecimento. Atualmente, são 30 cidades. “A única solução que pode dar sustentabilidade hídrica é a retirada da água do Rio São Francisco”, defende o diretor de Regulação e Monitoramento da Agência Pernambucana de Água e Clima (Apac), Sérgio Torres. E aponta números que mostram que a dependência das chuvas não pode continuar. Das 37 barragens do Sertão, 18 estão em colapso – quando a água acaba – ou pré-colapso, que indica o armazenamento próximo do fim. Dos 24 reservatórios do Agreste, sete apresentam o problema. No Semiárido pernambucano, pode ser acumulado 1,3 bilhão de metros cúbicos. Só restam 301 milhões de metros cúbicos, mesmo depois das chuvas que caíram este ano e não foram suficientes para encerrar por completo os efeitos da seca.

Ainda no Sertão, existem pelo menos dois reservatórios que só encheram completamente em 2004. Ou seja, no próximo ano, serão 10 anos que eles não conseguem atingir a sua capacidade total. São os açudes de Saco 2, em Santa Maria da Boa Vista, e o de Entremontes, em Parnamirim, que têm, respectivamente, a capacidade de armazenar 123 milhões e 339 milhões de metros cúbicos.

A seca também trouxe algumas lições. Para ter mais segurança hídrica, o Estado planeja e começa a executar um sistema mais integrado de abastecimento, usando a água do São Francisco – o único rio perene que corta uma grande parte do Semiárido pernambucano – e até a água do subsolo da bacia do Jatobá, além de pequenas obras para a população rural. O grande desafio é fazer tudo isso sair do papel até a próxima estiagem, porque a história já comprovou que o atraso é grande nas obras feitas com recursos públicos. Essas obras – que já deveriam ter sido feitas há muito tempo – representam um investimento de R$ 4,6 bilhões, dos quais R$ 3,7 bilhões serão empregados na construção da Adutora do Agreste e do Ramal do Agreste. Esse valor é quase a metade do que será gasto na transposição do São Francisco, orçada em R$ 8,2 bilhões.

Apontada como solução para o abastecimento humano no Agreste do Estado, a Adutora do Agreste teve as suas obras iniciadas em junho sob a influência da última estiagem. Não há data de conclusão prevista para a última etapa do empreendimento. Ela vai levar água a mais de 68 municípios, porque o governo do Estado planeja fazer uma interligação com a Adutora do Jucazinho, um sistema de 282 km de adutoras, que passa por cidades como Caruaru e Bezerros. “Essas obras estão dentro do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) e não vão faltar recursos”, garante o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho, se referindo à Adutora do Agreste e ao Ramal do Agreste.

Inicialmente, a água que seria colocada na Adutora do Agreste viria do Ramal do Agreste, uma adutora de 71 km que começa em Sertânia, captando a água do Eixo Leste da transposição de águas do São Francisco. As obras da transposição se arrastam desde 2007, quando a sua conclusão era prometida para 2010. No pico da última estiagem, o governo do Estado decidiu não esperar mais pela transposição. Resultado: serão furados 20 poços profundos na Bacia do Jatobá – entre Tupanatinga e Itaíba – para que os primeiros quilômetros da Adutora do Agreste comecem a transportar água em março de 2014.

Se tudo sair do papel, o abastecimento humano estará garantido no Semiárido. “Na atual seca, os mananciais de várias cidades secaram. Em alguns municípios, foram três anos sem inverno e aí não tem barragem que chegue”, explica o presidente da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), Roberto Tavares. A estatal gasta R$ 1,2 milhão por mês para levar água a essas cidades.

No meio rural, a situação é crítica. Um levantamento feito pela própria Secretaria de Agricultura mostra que 51% das pequenas e médias propriedades não têm uma estrutura de armazenamento de água. Lá, as metas do governo do Estado são audaciosas. Está programada a implantação de 450 dessalinizadores para distritos de até 7,5 mil pessoas, a perfuração de 3 mil poços para comunidades pequenas e 200 barragens subterrâneas. “A ideia é que cada pequena propriedade tenha uma cisterna, chegando a implantar 260 mil cisternas, embora até hoje tenham sido instaladas 100 mil”, revela o secretário estadual de Recursos Hídricos e Energéticos, Almir Cirilo.

A universalização das cisternas é prevista para 2014. Elas são importantes porque são o meio mais fácil de armazenar a água para quem vive isolado. Dentro do próprio governo federal, há uma discussão entre os ministérios da Integração Nacional e o de Desenvolvimento Agrário. O primeiro chegou a contratar cisternas de plástico, iniciativa criticada pelo segundo e pelas ONGs. “As cisternas de tijolo custam em torno de R$ 2 mil e a de plástico fica por R$ 5 mil. As primeiras repassam à comunidade o conhecimento de como fazer, gerando renda. A segunda, não”, defende a coordenadora da Articulação do Semiárido (ASA) no Ceará, Cristina Nascimento.

O difícil acesso à água inclui comunidades próximas aos perímetros de irrigação. Entre Petrolina e Santa Maria da Boa Vista, há pelo menos 12 assentamentos com o problema. O agricultor Evandro Benício Coelho tem um rosto que aparenta mais que 30 anos, embora tenha só 21. “É o desgosto.” Nos últimos dois anos, plantou feijão três vezes, mas não colheu por causa da escassez de água. O mais absurdo é que, a 100 metros, corre um canal quilométrico, cheio de água, que Evandro e todas as 17 famílias do Assentamento Oziel Alves são impedidos de consumir. Depois de muita negociação, a Codevasf liberou a água para o consumo humano. Evandro mora em Petrolina próximo ao Projeto Pontal, que leva água para as empresas que produzem frutas com irrigação artificial.

Onde tem água, falta gestão. Falta também uma tecnologia que não a desperdice. Em Ibimirim, o açude Poço da Cruz pode armazenar 504 milhões de metros cúbicos. Nas imediações dele, a irrigação é feita por sulco, técnica que consome mais água e pode contribuir para salinizar o solo. Construído na década de 1970, o local já funcionou como um polo vigoroso de irrigação, mas está em decadência desde 2005. “Nunca deram prioridade ao Poço da Cruz. Agora vamos começar por fazer um levantamento que defina o tamanho e a quantidade de hectares que podem ser irrigados de forma plena e segura para que não ocorra qualquer colapso”, afirmou o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho. O açude é administrado pelo Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs), estatal ligada ao Ministério da Integração.

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