Quando a política ajuda a vencer as adversidades
Doze quilômetros de poeira ligam o centro de Dormentes à propriedade de Maria Mazarelo, 40 anos, no Sítio Pimenta. O município, localizado a 649 km do Recife, está na porção mais seca do Sertão do São Francisco, que ao sul é banhado pelo rio de mesmo nome. A estrada de terra não nega que a maior estiagem dos últimos 40 anos também chegou por aquelas paragens. Mas, em frente à residência de Mazarelo, o balido de ovelhas, carneiros, cabras e bodes é capaz de transformar a expectativa inquietante de um visitante de primeira viagem. Do temor de encontrar carcaças, ele passa à certeza de que, ali, o trabalho de um pequeno produtor sertanejo não foi em vão.
Mais de cem animais – gordos e grandes – enchem o curral da dormentense. Uma produção que não está entre as maiores dos pequenos criadores locais, mas que é cinco vezes a média de animais que Mazarelo e os pais tinham em casa quando ela ainda era criança. “Nós não passávamos nunca de 20 matrizes (fêmeas usadas para reprodução). E quando me casei, há 17 anos, o máximo que consegui juntar foi 50”, afirmou. Uma vitória conquistada com cooperativismo, mas também com a ajuda do poder público – um dos poucos casos entre as prefeituras pernambucanas.
Algumas técnicas de criação e tecnologias mudaram o rumo da vida daquela mulher. Entre elas está a hidroponia, uma forma de cultivar plantas sem solo, onde as raízes recebem uma solução balanceada que contém água e todos os nutrientes essenciais ao desenvolvimento da planta. “Aprendi a plantar milho e sorgo, que são usados no processo, e hoje sei engordar meus animais mesmo no período de seca”, contou.
Para a hidroponia, Mazarelo construiu 15 canteiros de 5 metros por um metro em uma área de sua propriedade, que tem, ao todo, 54 hectares. Forrou cada um com uma lona plástica, sobre a qual coloca o bagaço da cana que adquire com a ajuda da Associação dos Criadores do Pimenta. Por cima do bagaço da cana, joga milho – que precisa ficar de molho por 24 horas –, e depois cobre com uma última camada de bagaço de cana (essa pode ser substituída por palha de milho, feijão, arroz ou capim seco triturado). “É preciso molhar o canteiro duas vezes ao dia. São 30 litros de água que usamos diariamente”, informou. Em 15 dias, um canteiro já está verde e pronto pra ser triturado e servido como alimento de excelente qualidade para o rebanho.
Maria Mazarelo aprendeu também que é preciso manter os animais em áreas distintas, de acordo com seus tamanhos e funções na produção. Enquanto uns estão no curral, outros estão na roça. Perfurou um poço e construiu duas cisternas de 16 litros cada, sendo uma para a produção e outra para uso da família. Deixou de fazer bico trabalhando com outras atividades e de sofrer sem saber como seria o final do mês de sua família, formada por ela, o marido e dois filhos adolescentes. Só com o rebanho, ela passou a lucrar o dobro do que lucrava há até sete anos. Investiu na criação e na casa. “Tem muita coisa boa que a seca nos ensinou. E uma delas é a viver bem. Hoje temos conforto, carro, moto e internet”, observou.
Saiba mais
Convivência com o semiárido
Ações da prefeitura na gestão do ex-prefeito Geomarco Coelho (PSB)
•Incentivo à formação de associações de criadores
•Criação da feira semanal da cidade
•Concessão de assistência técnica aos associados, com repasse de informações sobre técnicas e tecnologias de produção
•Criação do evento Caprishow, de divulgação da produção local
Propostas do prefeito Roniere Reis (PSB) para os próximos 4 anos
•Constução de um frigorífico, a ser adminitrado pelas associações ou por uma cooperativa, para que os produtores possam vender a carne em corte com valor
•Estudo de bacias hidrográficas para perfuração de poços com água de qualidade
•Implantação do Projeto Jovem Criador, com fornecimento de matrizes, capacitação e acompanhamento técnico dos filhos dos produtores, para que permaneçam na cidade e perpetuem a atividade.
Contrapartida vital para a produção
Uma diferença entre Maria Mazarelo e os demais personagens apresentados na série de reportagem “Oásis no Sertão”, que o Diario de Pernambuco vem publicando desde o último domingo (6), é que ela não é um caso isolado na cidade onde vive. A receita que utilizou para chegar aonde chegou é a mesma usada por todos os pequenos criadores de Dormentes: o associativismo, incentivado pela prefeitura municipal, uma das poucas no estado que tomou as rédeas da situação e uniu criadores em defesa da produção local.
Com a formação das associações, que começarem há sete anos, o poder municipal dá exemplo. Mostra que é possível participar, mesmo com pouco dinheiro, da difusão de alternativas de convivência com o semiárido. Atualmente existem na cidade mais de 50 associações de criadores. “Antes de nos organizarmos em associações, não sabíamos nem vender nossos rebanhos. Mas a prefeitura construiu um pátio e inaugurou uma feira, contratou uns técnicos para dar assistência aos associados e agora somos os maiores produtores de ovinos do estado”, afirmou o presidente da Associação de Criadores do Pimenta, Luzivaldo Leonardo de Macedo.
Tecnologia
Novas e eficientes tecnologias de produção foram repassadas para os diversos grupos de criadores. Os resultados vão do aumento da produção à excelência na qualidade do rebanho, que não se altera nos períodos de estiagem. Dormentes tem hoje sua própria raça, a bergamês, fruto do cruzamento entre Bergamaça com Santa Inês. A média de animais por criador na cidade subiu para 200. Antes, os rebanhos dos pequenos produtores eram de, no máximo, 50 cabeças.
A prefeitura também criou a Caprishow, evento voltado à promoção da ovinocaprinocultura e envolvendo a participação de artistas diversos, realizado no último final de semana do mês de maio. Em 2013 irá para a sua 7ª edição. “Temos clientes fixos em Petrolina e em muitas cidades de quase todos os estados do Nordeste (exceção da Bahia e Sergipe). Mas todo ano essa lista de clientes cresce com a divulgação de nossa atividade”, afirmou Luzivaldo.
Leia as demais reportagens da série:
O verde que resiste à seca (06.01)