Conhecimento: arma para vencer a aridez

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Quinta-feira, 20 de dezembro de 2012. O local é o assentamento Serra da Geladeira, em Exu, município do Sertão do Araripe, localizado a 630 quilômetros do Recife. O personagem: Raimundo Valmir Batista, 40 anos. Denir, como é chamado, é quem conta a própria história, que começa com a percepção de que passou toda a vida cometendo equívocos no preparo da terra, produzindo menos que sua capacidade e destinando parte do suor de seu trabalho aos atravessadores (pessoas que compram barato ao produtor e revendem mais caro ao consumidor).

“Eu usava veneno na plantação, arrancava e queimava as espécies nativas e os restos de cultura e jogava fora qualquer chance de ter uma produção que me desse a tranquilidade que hoje minha terra me dá”, disse Denir, há 10 anos produtor e beneficiador de mandioca e derivados. Nesse período, contou com a ajuda do Centro de Habilitação e Apoio ao Pequeno Agricultor do Araripe (Chapada), uma organização não-governamental, e, sem receber nenhuma orientação do poder público municipal, mudou radicalmente sua rotina, seus conceitos e a sua vida.

“Tudo começou quando eu estava queimando um pé de jiquiri, para ver se ela não nascia mais ali. Eu estava todo preto, coberto de cinzas, quando os técnicos do Chapada chegaram em minha propriedade. Naquela hora fiquei sabendo que o que eu estava fazendo era destruir a minha terra”, afirmou. Convidado a visitar experiências com casas de farinha na Bahia, Denir aprendeu o que 30 anos nunca o ensinaram. “A gente sempre acha que, no Sertão, a produção tem que ser pouca e difícil. Ninguém nunca me disse que as espécies nativas protegem o terreno, que os restos das outras plantas (culturas) adubam a terra e que o ideal é fazer consórcios de espécies, nativas e não nativas, frutíferas e florestais, que é uma forma de ter sempre algo para colher”, afirmou.

Na visita à Bahia, o agricultor ficou impressionado com o que viu. E tomou uma decisão: produziria a melhor farinha da cidade. Aos poucos, com as novas informações e o aumento gradativo de sua produção, foi montando sua própria casa de farinha. Vendeu um carro velho de sua propriedade (do ano de 1994), juntou decisão, informação e talento como empreendedor e alcançou o objetivo. Passou a cultivar 40 espécies alimentícias e florestais e a vender, em vez de mandioca bruta, frutas, farinha, goma, tapioca e puba (massa extraída da mandioca fermentada e largamente utilizada na produção de bolos, biscoitos e diversas outras receitas típicas do Norte e Nordeste brasileiros).

“Eu vi que o segredo do sucesso está em a gente ter acesso à informação, ser capacitado”, observou o produtor, que foi em busca de mais informação. Fez o curso de Boas Práticas de Fabricação, do Programa Alimento Seguro, do Serviço Nacional da Indústria (Senai), e o curso de Custo de Produção, do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Descobriu que podia tirar proveito também da casca da mandioca e da maniva (caule), como complemento de ração animal, e a afastar as formigas com a manipueira (líquido extraído durante o processamento da mandioca).

A história de Demir ainda não terminou. Com tanta queimada que fez, falta muito para recuperar todo o terreno de 30 hectares. O certo é que, em 2000, ele produzia 60 toneladas por ano de mandioca, vendida aos atravessadores. Tirava, em média, R$ 3 mil nos 12 meses. Hoje, com a mandioca 100% processada em sua propriedade, Demir tira R$ 5 mil por ano. “Mas isso é só com a mandioca. Eu tenho as outras 40 culturas para complementar a nossa renda”, disse o agricultor.

Saiba mais

Convivência com o semiárido em Exu

População (IBGE 2010) – 31,5 mil habitantes

Ações da prefeitura

Construção de 110 poços e 500 barreiros

Assistência técnica

Capacitação do Sebrae sobre ordenha e higienização

Distribuição de milho e feijão

Abastecimento de água com carro-pipa

Sistema Simplificado de Abastecimento de água

Beneficiados

200 famílias

4 produtores, devendo chegar a 10

70 produtores de gado, carneiro e cabra

1,5 mil famílias

203 comunidades

Distrito de Timorante (previsão para atender aos distritos de Tabocas e Viração – total: 700 famílias)

Ação do poder público é insuficiente

Medidas ainda são tímidas para ajudar na produção agrícola no Sertão

Disputa política acirrada e dificuldades para implementar medidas de convivência com o semiárido. É assim no município de Exu. Lá, o prefeito Léo Saraiva (PTB) foi reeleito no ano passado com a diferença de apenas um voto para o socialista Jailson Bento, ligado ao governador Eduardo Campos e ao ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho. As principais ações repetem a maioria das cidades sertanejas, ficando entre perfuração de poços e construção de barreiros, distribuição de água em carros-pipa e uma tímida tentativa de educação agroecológica.

Das principais medidas adotadas pela gestão petebista, o secretário de Agricultura, Paulo Henrique, lembrou quatro: distribuição de sementes de milho e feijão no mês de janeiro, perfuração de 110 poços, construção de 500 barreiros e assistência técnica a pequenos produtores rurais dentro do Programa Balde Cheio, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Essa última é a que mais se aproxima das ações de reeducação do produtor para a convivência com o semiárido, mas só atendeu a quatro pequenos produtores nos últimos dois anos, e deve atender a mais seis. O objetivo é repassar orientação sobre adubação, aragem, correção do solo e análise da água.

“Temos dois técnicos que foram treinados para repassar essas informações aos pequenos produtores. Acredito que isso vai continuar nos próximos anos”, afirmou Paulo Henrique, que, apesar de não saber se continuará no cargo na nova gestão, falou em nome do prefeito. “Ele deve continuar perfurando poços e construindo barreiros. A prefeitura também deve ampliar o abastecimento d’água com carros-pipa e implantar, junto com o governo federal, o sistema de abastecimento d’água no Distrito de Zé Gomes e nas serras vizinhas a partir da nascente do Jenipapo, que fica na Serra das Mangueiras, e vai beneficiar mais de mil famílias”.

O secretário de Administração e Planejamento da prefeitura, Antônio Dioclécio, acrescentou à lista de ações uma parceria realizada com o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e Médias Empresas) para a capacitação dos produtores de gado, ovelhas e cabras. Nos cursos eles receberam orientações sobre ordenha e higienização.

Léo Saraiva não estava na cidade durante a visita da equipe de reportagem (20 de dezembro) nem retornou às ligações feitas ontem pela redação.

Leia as demais reportagens da série:

O verde que resiste à seca (06.01)

Garantia de vida em cenário de desolação(07.01)

Quando a política ajuda a vencer as adversidades (09.01)

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