Convivência com o semiárido
Realizou-se de 19 a 23 de novembro passado em Januária (MG) o VII encontro nacional da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) em que participaram 700 pessoas representando agricultores e agricultoras familiares, povos indígenas, população negra, comunidades tradicionais, organizações da sociedade civil com atuação no semiárido para celebrar as conquistas na construção comum de um projeto de desenvolvimento sustentável para a região como também para articular uma análise crítica do modelo de desenvolvimento vigente e definir orientações para a ação futura.
A Carta Política do encontro deu conta não só de críticas fortes a elementos extremamente negativos que ainda causam enormes sofrimentos à população da região mais empobrecida do País, mas apontou elementos que estão introduzindo transformações profundas nessa situação. A primeira afirmação é que o semiárido vive um movimento social importante de inovação para a convivência com a região. Um dos sinais mais claros é a instalação de uma densa malha hídrica de 600 mil cisternas de placa, o que significa a democratização da água para mais de três milhões de pessoas, passo fundamental na superação da pobreza e na construção da cidadania. O acesso à água potável exerce papel determinante para a superação da miséria, revelando, por exemplo, na grande diminuição da mortalidade infantil nas famílias que possuem cisternas.
As transformações culturais são também profundas e promissoras: a participação direta na execução do programa e a valorização de sua cultura têm fortalecido a autoestima e a autonomia dessas populações secularmente excluídas tornando possível sua organização e a resistência aos diversos tipos de sujeição que marcam suas vidas.
Um acervo diversificado de inovações está sendo produzido e partilhado pelas diferentes comunidades o que vem levando à constituição de redes para a transmissão de conhecimentos e práticas de convivência com o semiárido. A segurança alimentar está sendo ampliada em virtude da rede de infraestruturas e abastecimento de água para a produção de alimentos, dinamizando quintais produtivos, criação de animal, roçados agroecológicos, práticas agroflorestais, manejo da caatinga e beneficiamento da produção. A maior prova do sucesso desse processo de inovações está precisamente no fato de que mesmo em plena seca tão severa como essa muitas famílias continuam comercializando sua produção nas feiras agroecológicas.
A consistência dessas ações está contribuindo para a mudança da visão do semiárido que agora começa a ser visto como lugar de fartura da natureza e de cultura popular. A ASA tem insistido em que a convivência com o semiárido acontece por meio da agroecologia que valoriza e articula os recursos naturais, a sabedoria e a criatividade do povo. Há programas fundamentais em implementação que apontam para um novo modelo de desenvolvimento: promoção da segurança e soberania alimentar, de bancos e casas de sementes, de educação contextualizada, assessoria técnica, auto-organização das mulheres, de comunicação popular, acesso à terra, fundos rotativos solidários, acesso aos mercados locais e de economia popular e solidária. E insistem na enorme importância da sociedade civil nesse processo de transformação.
manfredo.oliveira@uol.com.br