Mídia desnutrida

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Quando percebo que estou precisando renovar o fôlego profissional recobro o ar que me tomava quando entrei na faculdade, época em que o papel social e potencial transformador do jornalismo era meu único combustível. Acho que as empresas também precisam respirar esse oxigênio do passado em certas ocasiões. Aqui no Nordeste, em plena campanha municipal, esta seria uma ótima oportunidade.

Mais ou menos 22 milhões de pessoas vivem no semiárido e enfrentam a maior seca dos últimos trinta anos. Sabe-se que nos próximos dois meses aumentarão as ofertas de troca de voto por água. A maioria dos veículos jornalísticos não conta com correspondentes nas cidades-polos. As sucursais regionais tão prestigiadas até as décadas de 80 e 90 foram definhadas ou extintas, o que comprometeu importantes canais de denúncias da chamada indústria da seca – esta que promete moer aos tubos este ano.

Surpreendi-me ao saber que homens do campo, vítimas da escassez de recursos hídricos, notam e se preocupam com a nossa tímida contribuição. Participei de uma equipe de trabalho para a cobertura da Rio+20, a Conferência da ONU para a Sustentabilidade, e acabei ouvindo um sujeito simpático que me nutriu com o tema. Foi o pequeno agricultor Luiz Rosas, de Tacaimbó (PE).

Ao falar sobre o programa de construção de cisternas da Ong Articulação do Semiárido (ASA), no qual exerce papel de mobilizador comunitário, disse: “A gente tenta conscientizar como pode, mas a luta é grande”. E frisou: “Todo mundo cobra do povo, das Ongs. Isso é importante, mas uma ajuda maior de vocês tem outro impacto”. Seu Luiz Rosas se referia ao coletivo “Imprensa”, que adora ser chamada de quarto poder e, por vezes, esquece que o poder não está só no entorno da corte.

Sei que no melhor dos mundos todo brasileiro e nordestino deveria ter condições de refutar a proposta de troca de um tambor de água, um carro-pipa, por um ou mais votos. Isso é o que a gente precisa propagar porque a necessidade, a fome, empurra cidadãos do Brasil de chão rachado contra esses valores.

A ASA (Articulação do Semiárido), que congrega Organizações Não Governamentais sérias atuantes no Nordeste mais pobre, vem alertando para a prática abusiva usada por políticos. Usa comunicadores iguais a seu Luiz Rosas. Chegou a sugerir ao Ministério do Desenvolvimento Social a campanha “Não troque seu voto por água”. Devo dizer: Tem meu apoio. Não é nada junto da indústria da seca, abastecida por máquinas espalhadas por centenas de quilômetros. Para derrubá-la será preciso que a campanha sensibilize nossa indústria – centenas de colegas repórteres, editores e patrões. E que a gente comece por discutir o encolhimento das equipes de sucursais e seus prejuízos para períodos eleitorais e suas entre safras.

Fonte: Revista Imprensa – edição agosto de 2012

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