Agricultor familiar do semiárido baiano produz tapetes de sisal para exportação
Tapetes e carpetes para exportação, feitos com a fibra de sisal do semiárido baiano, são a estrela entre os produtos fabricados por agricultores familiares ligados à Associação dos Pequenos Produtores do Estado da Bahia (Apaeb) do município de Valente, criada há 30 anos com o objetivo de manter as famílias no campo e incrementar sua renda. Mas a caprinocultura, em cuja esteira vem a produção de laticínios que são comercializados para lojas do grande varejo da capital baiana, também está entre as atividades de cerca de 700 famílias espalhadas pelas cinco unidades da entidade em municípios da região, e que recebem apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) via Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), linhas de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e os instrumentos de compras públicas Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
A história da Apaeb remonta aos anos 1970, quando começaram as discussões para sua criação. A organização, formada por agricultores familiares, foi estabelecida, com ajuda do governo do estado, em 1980. A entidade nasceu com filiais em 5 municípios: Serrinha, Valente, Araci, Feira de Santana e Ichu, sendo que a sede ficava em Serrinha.
Inicialmente uma organização unida, logo a Apaeb começou a se mostrar difícil de administrar – as diferentes unidades tinham cadeias produtivas e objetivos diferenciados. Valente, por exemplo, é chamada de “capital do sisal”, no Brasil. Já as outras cidades eram mais fortes em outras culturas. As discussões e decisões conjuntas tornaram-se cada vez mais escassas e difíceis, conta a presidente da Aapeb – Valente, Iracema de Oliveira Nery, de 46 anos. As diferenças levaram as cinco unidades a se emanciparem em 1993.
Desde então, relatam seus membros, a Apaeb – Valente floresceu com mais força e tornou-se a maior das unidades. “A nossa unidade se profissionalizou, se estruturou mais, buscou suas cadeias produtivas e explorar a potencialidade da região”, afirma Nelilton Ezequias de Oliveira, 50, diretor financeiro da Apaeb – Valente.
O trabalho duro, porém, já vinha sendo feito desde os anos 80, antes da “independência”. Em 1984, por exemplo, a organização conseguiu construir sua unidade batedeira, onde as máquinas de mesmo nome fazem o beneficiamento da fibra do sisal, tirando suas impurezas. O diretor financeiro conta que a unidade foi fundada para acabar com a figura dos atravessadores, que encareciam o preço do sisal. Com a unidade, a Apaeb começou a comprar diretamente dos produtores, melhorando sua renda.
A batedeira, que possui o selo de gestão de qualidade ISO 9.001, garante a compra da produção dos associados a preços atrativos. A fibra tipo um, melhor, que sai no mercado por R$ 1 o quilo, é comprada pela associação a R$ 1,24. “A Apeb paga o melhor preço, e isso ajuda muito”, conta o produtor de sisal Landoaldo de Araújo Machado, de 41 anos, que cuida das oito tarefas de terra do pai. Casado e pai de três filhos, ele relata que todos ajudam na roça e estudam. Embora a seca tenha afetado a produção, o agricultor afirma que o filho mais velho, de 20 anos, não pretende sair para os grandes centros. Hoje, segundo ele, há condições de se manter na terra onde nasceu.
Exportações e fábrica – No final da década, um novo avanço: os agricultores familiares da pequena Valente, com cerca de 33 mil habitantes, começaram a exportar as fibras beneficiadas de sisal para a Europa, em especial para Portugal. “O problema é que nós não sabíamos o que era feito com as fibras. Foi numa viagem de intercâmbio que a gente descobriu: tapetes e carpetes”, conta Nelilton. Sempre pensando em como melhorar a renda de seus associados, a Apaeb decidiu então montar uma fábrica na própria cidade.
“A Apaeb não tinha capital pra isso, os bancos não financiavam porque diziam que agricultor familiar não tinha condições de pagar. Foi uma luta. Mas em março de 96 começamos a fazer carpete aqui”, relata Nelilton. A unidade, uma das duas únicas fábricas de carpetes e tapetes de Sisal do Brasil – a outra fica na Paraíba-, financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), passou então a exportar o carpete em vez da fibra. “A gente conseguiu assim fechar a cadeia produtiva do sisal e com isso agregar valor, aumentar a renda e melhorar a vida de toda comunidade”, completa Nelilton.
A Apaeb emprega hoje nada menos que 350 pessoas, sendo 245 na fábrica e 27 na batederia. “Mas nós já chegamos a ter 600 funcionários só na fábrica”, observa Gerlândio Araújo Lima, 44, gerente de projetos produtivos da Apaeb. Ele explica que a forte seca que afeta a região e, também, o câmbio atual não possibilitam aumentar a produção. Segundo Gerlândio, as exportações eram fortes quando o dólar valia R$ 3. Hoje, com a cotação a menos de R$ 2, fica mais difícil competir. “Atualmente nosso foco é o mercado interno”, explica a presidente Iracema.
Apesar das dificuldades atuais, a Apaeb consegue manter a grande estrutura que criou. Além da batedeira e da fábrica, a organização possui ainda um laticínio. A unidade, que processa atualmente 450 litros de leite por dia, opera com seis funcionários. Apesar do tamanho reduzido, vende para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), ambos do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A unidade, que possui o selo estadual da agricultura familiar (SIA), ainda comercializa seus produtos, com a marca Dacabra, em Feira de Santana e Salvador, fornecendo até para grandes redes, como a Perini, da capital baiana.
Mas a Apaeb não é formada apenas por unidades produtivas. A entidade mantém ainda um clube, onde já ocorreram shows de grandes cantores sertanejos, como Paula Fernandes e Chitãozinho e Xororó, um centro de cultura – com 20 computadores para a inclusão digital da população do campo – e uma escola.
“A Apaeb surgiu para manter as famílias de agricultores no campo, evitar o êxodo rural. Nossa escola é só pra filhos de agricultores familiares e produtores rurais. Ela trabalha com todas as disciplinas exigidas pelo MEC e, ainda, zootecnia, administração rural, gerenciamento da propriedade e questão ambiental”, conta Iracema.
Segundo Nelilton e Gerlândio, o objetivo tem sido atingido. Eles explicam que Valente é o município da região que tem o maior equilíbrio entre a população rural e a urbana – sendo que a rural é maior, de mais de 70%. “Nos outros municípios é o inverso”, diz Nelilton, que explica ainda que há alguns anos Valente tinha o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre as dez cidades da região, e hoje tem o melhor. O IDH, da Organização das Nações Unidas (ONU), mede o grau de desenvolvimento de um país e de suas cidades.
Outra importante política a que os produtores tem acesso é a Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), prestada pelo MDA. “A Ater é fundamental para o desenvolvimento da região. O produtor precisa de crédito e consequentemente assistência técnica, se não ele não consegue desenvolver o trabalho na terra. Já tem o limite que é o tamanho da propriedade. Se ele fizer sozinho nunca vai conseguir alcançar seu potencial. A Apaeb começou sem incentivo do governo, por conta própria, e hoje tem ajuda do MDA e do governo do estado. É essencial”, argumenta o diretor financeiro Nelilton. “A Ater é o pontapé numero um para o agricultor familiar”, complementa Gerlândio.
Os gestores da Apaeb têm hoje um objetivo: continuar progredindo. Para tanto, contam com ajuda de algumas das políticas públicas do MDA. Muitos dos associados da Apaeb , hoje com 171 membros efetivos, já tiveram, por exemplo, acesso a linhas de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). A maior parte investiu na caprinocultura, que se desenvolveu bem na região, como comprova o êxito do laticínio, que, assim como a Apaeb, tem a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP jurídica).
A Apaeb possui hoje mais de 700 associados, mas somente 171 deles são efetivos. A entidade exige que os produtores tirem ao menos 70% de sua renda da agricultura familiar. Ele precisam ainda morar na zona rural e não podem ter emprego com carteira assinada. As regras ajudam a manter a associação no caminho que ela nasceu para trilhar: ajudar as famílias do campo.