A mobilização por água e autonomia no Semi-Árido
Já é conhecida a decisão do governo federal de interromper imediatamente a parceria com a rede Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA-Brasil) no processo de implantação de cisternas para famílias do semiárido brasileiro. Como se sabe, de algo como 15 anos para cá, a política de garantia do acesso a água no semiárido passou por modificações significativas, efetivadas de acordo com as práxis de autonomia hídrica (na qualidade de disparadora de uma série de tomadas de atitudes que apontam para a autonomia política), de convivência com o bioma e de construção coletiva das tecnologias de acesso, armazenamento e utilização da água. Boa parte do acervo conceitual e pragmático desse processo fluiu em direção ao surgimento de uma rede de organizações populares e de assessoria, primeiro na PB e, a partir de 1999, de âmbito nacional, a ASA-Brasil. Aqui, dois links sobre isso: da Articulação no Semi-Árido Brasileiro e do blog Soda Cáustica.
Nesse contexto, as práxis de convivência com o semiárido obtiveram maior força de articulação e incidência nos orçamentos governamentais. De forma que, desde o fim do mandato FHC e durante todo o mandato Lula, o recurso da política hídrica no semiárido era canalizado para o Programa 1 Milhão de Cisternas, liderado pela ASA, na realização de projetos que já angariaram elogios desde o TCU (do ponto de vista administrativo) até organizações internacionais (do ponto de vista dos efeitos, rendendo elogios ao governo). A decisão do atual governo de executar o programa via entes federativos ameaça a autonomia e todo o processo de mobilização, sensibilização e participação popular efetiva, dado o clientelismo e o patrimonialismo explícitos que se tornaram as práticas-símbolo da presença do Estado nos interiores do nordeste. Como a cereja podre do bolo solado, o governo estuda trabalhar com cisternas de PVC, devido à praticidade, claro (como ninguém pensou nisso antes?). Sobre este processo, há um texto fundamental: O presente natalino para os nordestinos.
Entendemos que esse redirecionamento do governo federal (que faz parte de um encadeamento de decisões semelhantes, como a que desmantela o programa de apoio aos territórios de identidade rural) ilustra bem o signo da pragmática eficiente sob a qual a atual gestão sepultou os indícios de políticas mais indutoras do governo Lula. Falaríamos em retrocesso, se crêssemos nalgum progresso efetivo em matéria de “governança” ou entenderíamos ser uma política errônea, se ainda déssemos o crédito da boa vontade ao governo.
No sentido de garantir pelo menos a possibilidade de espernear, na próxima terça, 20, agricultore/as familiares de todo o nordeste protagonizarão uma manifestação massiva em Petrolina-PE, onde se espera que estejamos lá umas 10.000 pessoas. Escrevemos a vocês para solicitar o apoio que for possível para esse movimento. Além dos links no texto, incluo uma nota oficial da rede com orientações sobre a mobilização. Além desse ato, em cada estado, dois dias depois, faremos chamadas de atenção nas rodovias mais movimentadas.
Entendemos ser de grande importância notas, postagens, twits ou qualquer outra forma de apoio vindas de quem cuja voz é, de alguma forma, mais “ouvida” e, principalmente, cuja compreensão é especificamente mais incisiva.