Agricultores/as do Semiárido potiguar discutem formas de valorizar as sementes crioulas
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Agricultura familiar e camponesa na luta por direitos, pela soberania alimentar e a agrobiodiversidade no Semiárido. Esse foi o tema do 2º Encontro Territorial de Sementes do Semiárido Potiguar, realizado nos dias 25 e 26 de agosto, na cidade de João Câmara, no Rio Grande do Norte. O evento foi organizado pela Cooperativa Techne, organização gestora do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) da ASA, em parceria com a Rede Pardal.
Cerca de 150 agricultores, agricultoras e técnicos, vindos de várias microrregiões do estado, participaram do evento, entre eles, indígenas da comunidade Mendonça do Amarelão, quilombolas do Quilombo de Acauã, lideranças das microrregionais da ASA no Trairi, no Mato Grande, e entidades que coordenam o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) como a Associação de Apoio às Comunidades do Campo do Rio Grande do Norte (AACC), o Servico de Apoio aos Projetos Alternativos Comunitarios (Seapac) e Terra Viva.
O encontro teve início na última quinta-feira (25) com uma mística de abertura organizada pelas agricultoras presentes que ressaltaram a importância e o papel desempenhado pelas mulheres como guardiãs de sementes. Elas entraram no auditório trazendo nas mãos as sementes vegetais que vieram de suas comunidades. Dona Zizi, uma apicultora com mais de 70 anos, recitou um poema sobre a abelha. Ela disse que a abelha é uma semente animal muito importante e que ela não faz mal, faz mel.
A mesa de abertura teve como tema “O papel e a importância das sementes crioulas para a convivência sustentável com o Semiárido” e contou com a contribuição de Procópio Lucena, coordenador estadual da ASA Potiguar, e de Joaquim Apolinar, coordenador da Rede Pardal. Ambos ressaltaram que o resgate e a preservação das sementes é algo estratégico para o projeto de convivência, pois relaciona-se transversalmente com a garantia da soberania alimentar, a prática da agroecologia, o combate à desertificação e preservação do bioma Caatinga.
Na tarde do primeiro dia, foi feito o relato das discussões e encaminhamentos do 1° Encontro Nacional de Sementes realizado pela ASA Brasil nos dias 6, 7 e 8 de julho, na cidade de Maceió (AL). Os participantes do Rio Grande do Norte naquele evento fizeram o repasse dos informes e sugeriram de que forma poderiam dar continuidade a essa iniciativa nas comunidades.
Logo depois, foi feita uma apresentação cultural da dupla de emboladores de coco, conhecidos como Maçã e Maturi, que são dois adolescentes filhos de agricultores. Eles cantaram uma embolada usando o mote das sementes nativas para animar a plateia e divulgar a cultura nordestina.
Em seguida, houve outro debate sobre “Ameaças às sementes e ao patrimônio genético das comunidades rurais e da agricultura camponesa do Rio Grande do Norte”, cuja discussão foi feita por Edilson Neto, presidente do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Apodi, e por Tárzia Medeiros, da Techne.
Foram destacadas algumas dessas ameaças, como as obras do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) e do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs) na região da Chapada do Apodi, o monocultivo de girassol e mamona na microrregião do Mato Grande, além das sementes híbridas distribuídas pelo governo aos agricultores.
A programação do dia 26 iniciou-se com a apresentação do documentário “O veneno está na mesa”, do cineasta Silvio Tendler. O filme faz parte da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida. A exibição do documentário foi seguida de um breve debate sobre a importância estratégica das sementes para o combate aos agrotóxicos e para a transição agroecológica.
Depois deste momento, aconteceram as oficinas sobre políticas públicas para a valorização das sementes crioulas e a legislação estadual, estratégia e conservação da agrobiodiversidade para a convivência com o Semiárido e gestão comunitária de bancos e casas de sementes.
Como resultado das oficinas, houve alguns encaminhamentos que serão remetidos aos fóruns e instâncias da ASA Potiguar. Eles dizem respeito à criação do GT de sementes da ASA Potiguar e da Rede de Sementes estadual, além do mapeamento dos guardiões e guardiãs de sementes nas comunidades.
A oficina sobre legislação indicou a necessidade de se fazer uma campanha estadual e uma articulação junto à Assembleia Legislativa para que se crie uma lei que garanta o reconhecimento das sementes crioulas e a sua compra pelo estado para que seja distribuído às comunidades, ao invés de serem distribuídas as sementes híbridas produzidas pelas empresas do agronegócio.
As discussões, experiências e sementes compartilhadas no 2º Encontro Territorial de Sementes deixaram muito firme a convicção de lutar pela preservação das sementes crioulas como forma de defender a identidade camponesa e a cultura do Semiárido.
Os compromissos assumidos coletivamente nesse encontro serão socializados nas comunidades rurais, nas reuniões e demais espaços da ASA e da sociedade civil. O encontro foi encerrado por Dona Chiquinha, da comunidade indígena do Amarelão, que recitou a poesia Sementes do Nosso Chão, que diz em uma de suas estrofes: “Cuidar das nossas sementes/ é algo espetacular/ é luta dos territórios/ e da ASA Potiguar”.