Uma reflexão sobre o contexto histórico-político da luta pela terra

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Representante do assentamento Terra Prometida conta a história de resistência das famílias | Foto: Renato Bezerra

Na oficina de Reorganização Fundiária e Agricultura Familiar, realizada ontem (11) durante o I Encontro de Acesso à Terra no Semiárido, promovido pela ASA, no Piauí, foram apresentadas duas experiências de luta pela terra. Uma do Piauí, a Nova Zabelê, que remonta a história de descendentes indígenas com mais de 200 anos de vivência na terra, e a outra da região do Vale Mineiro, o assentamento Terra Prometida.

As famílias deste assentamento vivenciaram uma história de resistência que conta com o triste episódio do massacre de Felisburgo, ocorrido em novembro de 2004, que matou cinco pessoas, entre as quais várias lideranças, e fez com que 151 famílias desistissem de continuar lutando pela terra. As 49 famílias que resistiram, enfrentaram o medo, conquistaram a Terra Prometida e seguem na luta pelo projeto de reforma de agrária com a ocupação da sede da fazenda do mandatário do crime.

Ouça abaixo o agricultor Jorge Rodrigues Pereira, do Assentamento Terra Prometida, falando sobre a dificuldades pelo acesso à terra

Depois do relato das experiências, o assessor técnico da Cáritas e membro do Fórum Nacional de Reforma Agrária, Luiz Cláudio Mandela, falou sobre a situação fundiária no Semiárido e elencou as leis que estruturaram a distribuição de terra no país, elaboradas sempre de forma a expulsar os reais donos da terra – indígenas, quilombolas e demais povos da região semiárida.

Mandela ressaltou a contradição da Constituição Federal de 1988 que, ao mesmo tempo em que reconhece a função social da terra, distribui a propriedade de forma individual, o que desmobiliza a organização política e cultural das comunidades. Mandela ressaltou também que apesar do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ter o mapa das terras devolutas (que pertencem ao Estado) e de conhecer o uso histórico delas pelos povos tradicionais, não há ação efetiva para reconhecimento da posse da terra, o que favorece a sua concentração por grandes fazendeiros.

O representante do Fórum Nacional de Reforma Agrária fez também críticas ao Plano Brasil sem Miséria do governo Dilma. Para ele, o programa precisa ter a forma e o objetivo questionados. “Afinal podemos admitir que o conceito de miserável e pobre inclui apenas aqueles que não têm televisão e nenhum tipo de locomoção? É preciso ações estruturais para o problema de acesso ao teto e à terra para produzir alimentos.”

No debate com os participantes da oficina, foram feitas algumas reflexões que estão elencadas abaixo:

– O Estado brasileiro desde a colonização até hoje possui leis de terras que expulsam e destroem as formas de produção coletiva dos povos tradicionais e da agricultura familiar, impondo como única forma possível a agricultura do agronegócio e da propriedade privada.

– O Estado distribui as terras de forma individual, assim como possibilita o acesso a créditos de maneira extremamente desproporcional.

– As leis que definem critérios para a classificação de comunidade rural e urbana (em linhas gerais, qualquer grupo aglomerado que tenha rua asfaltada e energia elétrica é entendido como urbano) interferem na identidade das comunidades rurais, na compreensão cultural da sociedade, incentivam o êxodo e dificultam o acesso à políticas públicas voltadas à realidade do campo.

– Nos movimentos sociais, houve a crença de que o governo popular faria mudanças estruturais para transformar a sociedade. No entanto, percebe-se o enfraquecimento da capacidade de mobilização de massas, sendo um dos motivos a cooptação de lideranças para dentro do Estado.

– É preciso ter terra para ser ter água. A ASA desenvolve tecnologias de armazenamento de água que, por vezes, não são possíveis de serem construídas pois a famílias perderiam a área de plantar mostrando como as propriedades são pequenas.

– Sem a pressão social e enfrentamento protagonizado pelas massas, não há poder do povo.

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