A luta contra os grandes projetos que expulsam as populações tradicionais da sua terra
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Entre as oficinas realizadas durante o 1º Encontro Nacional de Acesso à Terra no Semiárido, uma delas apresentou duas experiências de luta contra os impactos dos grandes projetos, que representam uma ameaça à vida e ao acesso a terra nessas comunidades.
A primeira experiência foi apresentada por Seu Arcilo dos Santos, que vive na Comunidade Geraizeira de Vereda Funda, no município de Rio Pardo de Minas, estado de Minas Gerais. Os geraizeiros são pessoas que vivem em terras devolutas (também conhecidas como as Gerais) e que as utiliza de forma coletiva para plantar, criar animais, etc. As comunidades geraizeiras são consideradas comunidades tradicionais porque compartilham uma identidade cultural comum entre seus membros, seja na forma de produzir alimentos, seja nos costumes alimentares ou nos festejos locais.
Seu Arcilo conta que os mais antigos dançavam a Folia de Reis e que esse costume foi se perdendo por causa da interferência de pessoas que vieram de fora para trabalhar nas empresas. Antes, a comida era temperada só com azeite de piqui, que era tirado das castanhas dessa fruta nativa da região, diz Seu Arcilo. Ele relata que, a partir da década de 80, os projetos do governo chegaram e trouxeram uma conversa de que iam “tirar a comunidade do atraso” e implantar a monocultura, prometendo empregos.
Começa, então, uma ação de apropriação das terras pelas grandes empresas de monocultivo de eucalipto, que foram se instalando na região. Já em 1984, era possível constatar os impactos causados por essas empresas: começou a faltar água, o povo começou a passar necessidade. Como conseqüência disso, os rios volumosos e cheios de peixe começaram a ficar assoreados, as terras diminuíram sua produtividade e a identidade dos geraizeiros se viu também ameaçada.
Foi aí que, em 1994, a comunidade de Vereda Funda iniciou uma reação de retomada de seu território. Com a ajuda da Via Campesina e a partir da contribuição dos membros mais idosos da comunidade, eles fizeram a autodemarcação de suas terras, utilizando, a partir da lembrança dos mais antigos, as vertentes de água como limites geográficos. Uma coisa muito interessante nessa experiência é que os geraizeiros e geraizeiras de Vereda Funda estão ajudando outras comunidades a retomarem seus territórios, como é o caso da comunidade de Raiz.
A outra experiência foi apresentada por Damiana Bruno, que é dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) e vive no assentamento Boa Esperança, município de Iracema, estado do Ceará. Ela trouxe o relato das comunidades atingidas pela construção da barragem Figueiredo, que foi concluída em 2008. Porém, antes mesmo de a barragem a funcionar, as comunidades começaram a sofrer as conseqüências daquele projeto.
Em 2002, o Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs) já informava que os agricultores e agricultoras não poderiam mais plantar nada e nem criar bichos, pois tudo ia dar lugar à barragem. E, caso plantassem, não seriam ressarcidos pelo governo. As audiências previstas em lei, que deveriam ser realizadas para consultar a população atingida, foram manipuladas e não passavam de reuniões informativas.
“Eles dizem que trazem desenvolvimento, mas esse projeto só serve para os que têm sede de poder, e não de água”, diz Damiana. As lideranças e movimentos sociais chegaram a ocupar o canteiro de obras da barragem, montaram um acampamento e diziam que só sairiam depois que fosse feita uma negociação com repersentantes do governo. No entanto, o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado com o Dnocs não foi cumprido em sua totalidade e o projeto foi conduzido contrariando os interesses das comunidades.
Ouça abaixo o depoimento de Antônio Bispo, do assentamento Saco Cortume (PI), sobre o impacto dos grandes projetos
Hoje, a grande luta dos agricultores e agricultoras tem sido amenizar os efeitos maléficos causados pelas empresas do agronegócio que se instalaram na área da barragem e que estão envenenando a água, a terra e expulsando as famílias de suas áreas. Além disso, os movimentos vêm lutando para que sejam pagas indenizações justas às famílias, pois algumas chegaram a receber somente trinta e seis reais por suas casas.
Ao final da oficina, ficou o sentimento e a proposição de que devemos seguir lutando contra esses projetos, buscando criar uma interligação entre eles, pois essas duas experiências relatadas se parecem com muitas outras nos estados do Piauí, Pernambuco e outros. Como diz Seu Arcilo, “é preciso formar um exército do povo para fazer essas retomadas, pois o governo e as empresas têm o exército deles, e nós precisamos ter o nosso”.