O redescobrir da terra desprezada

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A agricultura familiar vem mudando a vida de muitos sertanejos. São os casos de José Mendes Sobrinho, que recomeçou do zero a partir dos ensinamentos que recebeu sobre agroecologia, após cerca de duas décadas perambulando por vários recantos do País. Hoje, ele sobrevive apenas do que produz e comercializa em feiras agroecológicas no interior pernambucano. Na comunidade de Cacimba do Meio, em Caraúbas, Rio Grande do Norte, a experiência da família de Antônio Ivanildo e dona Lucivânia de Lima é mais um exemplo de que é possível viver feliz e com dignidade no semiárido

O agricultor José Mendes Sobrinho, o Zé de Antônia, 62 anos, já viveu muitos dissabores na vida. Ele protagonizou inúmeras histórias interessantes. Dois momentos destes mostram como o uso correto dos recursos naturais pode fazer a diferença. Antes, ele abandonou a terra na qual morava, em Afogados da Ingazeira, distante 386 km de Recife, para tentar a sorte “no meio do mundo”. Arrependido, depois de sofrer até um atentado à bala, retornou após duas décadas e passou a cultivá-la dentro de preceitos agroecológicos e transformou um torrão em um pequeno oásis no sertão.

“Abandonei tudo em busca de uma vida melhor. Só que não encontrei essa vida melhor em canto nenhum, a não ser aqui mesmo. Rodei por Recife, Alagoas, Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo, onde passei a maior parte desse tempo fora de casa. Fiz de tudo um pouco, como desempenhar atividade de ajudante de pedreiro e encanador. Fui carpinteiro e carreguei concreto nas costas. Trabalhei também como gari. Varria dez mil metros de rua em oito horas durante todo dia. Resolvi deixar tudo para trás e, em 1988, regressei”, relata.

Deixar sua terra em busca de oportunidades em outras regiões é um conselho que Zé de Antônia não dá a ninguém. “O tempo que fiquei lá fora foi de muita sede e fome. Levei até tiro, embora a bala não tenha me acertado. Pegava condução de madrugada. Tinha hora para chegar ao trabalho, jamais para sair. Por isso, acordava duas horas da manhã, andava cinco km para pegar a primeira condução, mais dois para apanhar a segunda. Ao descer, andava mais três km. É uma experiência que ninguém precisa passar. Basta saber trabalhar a terra que a realidade será outra”, conta com determinação.

A mudança na sua vida, entretanto, ocorreu um ano depois que retornou de suas andanças, quando teve contato com uma entidade chamada Diaconia, que desenvolve o Programa de Apoio à Agricultura Familiar na Região do Semiárido. “A Diaconia chegou aqui e nos ensinou a trabalhar respeitando a natureza, de forma agroecológica”. Num espaço de apenas um hectare, Zé de Antônia cultiva cerca de 50 produtos diferentes, inclusive as variedades. Só de macaxeira são nove tipos: frita, rosa, rosinha, pipoca, cravo, casca lisa, manteiga, cravina e branca. Em termos de laranja, as opções também são diversificadas: pera rio, pera natal, valença, bahia, baianinha e sangri, considerada a principal.

Além de não usar qualquer tipo de agrotóxico, Zé de Antônia aprendeu a cuidar do solo usando componentes naturais. “A adubagem do chão é feita de forma orgânica. Aproveito a folha que está lá fora, que seria queimada pelos outros. A gente recolhe e vai despejando. Estamos sempre mexendo no solo, pois a folha que se deteriora se transforma em matéria orgânica”, ensina.

A forma não tradicional de trabalhar causa espécie a agricultores que ainda desconhecem a agroecologia. “Sou chamado de maluco. Perguntam se estou ficando doido por levar para a minha terra basculho que não serve para nada. Só que essa matéria orgânica protege o solo. Quando chovia antigamente, nos deparávamos com problemas de erosão. É que queimávamos tudo e deixávamos o chão limpo. A água escorria e ia embora. Hoje, fica toda aqui, protegendo o solo”.

Zé de Antônia fatura dois salários mínimos por mês com a sua própria horta e precisa adquirir pouca coisa para alimentar a família, a esposa Ismara, dois filhos e três netos. Toda a produção é comercializada em feiras agroecológicas da região. O agricultor não vende para atravessadores ou em feiras tradicionais.

Quintal produtivo

Na comunidade de Cacimba do Meio, em Caraúbas, distante 260 km de Natal, um quintal produtivo mudou também as vidas de Antônio Ivanildo Ferreira e Lucivânia de Lima. O casal vive exclusivamente da horta que possui.

Seu Ivanildo, 39 anos, prefere esquecer o tempo que trabalhava de vaqueiro. “Andava cinco, seis léguas à procura de emprego nas fazendas mais próximas, para ganhar uma diária de R$ 20,00. Comecei a participar de reuniões com as associações e sindicatos de agricultores até que, em 2005, com a ajuda da Diaconia, participei de um projeto de hortaliças que, no ano seguinte, se transformou num quintal produtivo. Hoje, além do fato de não precisar sair de casa para trabalhar, sustento a família com o que retiramos daqui. A sobra, vendemos na feira agroecológica de Caraíbas”.

Na horta do casal são cultivados, dentre outras hortaliças e alimentos, cheiro verde, alface, berinjela, couve, mamão, goiaba, acerola, mandioca, batata doce. Dona Lucivânia lembra que tudo isso é feito em apenas 600 metros quadrados.

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