Comunidades revertem a desertificação

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Quem sai de Juazeiro para conhecer o Boqueirão da Onça, no norte da Bahia, deve ter cuidado para não se perder, mas a paisagem é de tirar o fôlego. A área, candidata a Parque Nacional, abriga comunidades dispersas que vêm aprendendo muito sobre a necessidade de conservação da Caatinga para a preservação do seu sustento, tanto no extrativismo, quanto no cultivo da terra e na criação de caprinos. Elas também já colaboram com a prática do recaatingamento na região

Clima árido, terra seca, mas nem por isso infértil ou improdutiva no município de Sento Sé, a 513,31 km de Salvador, o terceiro maior da Bahia, com 12.871 km² de área. Quase a metade (49,40%) deste território está contida no futuro Parque Nacional do Boqueirão da Onça, que, quando oficializado, será a segunda maior unidade de conservação fora do bioma Amazônico e na Caatinga, com cerca de 800.000ha, perdendo por pouco para o Parque Nacional da Serra das Confusões, no Piauí.

O parque fará parte de um Corredor Ecológico de Fauna. Além da conservação da Caatinga e de importantes fragmentos de Cerrado, o corredor ecológico permite a troca genética das espécies da fauna, principalmente da onça-pintada, que tem seu número muito reduzido no bioma Caatinga, o que a inclui na Lista Brasileira de Espécies Ameaçadas de Extinção e em estado crítico no bioma.

Lá, visitamos a pacata comunidade Fartura, localidade do distrito de Minas Mimoso, onde 16 famílias produzem milho e feijão e desenvolvem a cultura de caprinos e ovinos, a 180 quilômetros de Juazeiro e onde Claudiomário Rodrigues dos Santos, 34 anos, é o presidente da Associação dos Pequenos Agrupecuaristas.

Chegando ao fim de dois anos do Projeto Recaatingamento, se produz e se planta mudas de umbuzeiros, umburanas-de-cheiro, angicos, faveleiras, umburuçus e camaratubas e está em fase de implantação uma minifábrica de beneficiamento de frutos para garantir renda digna e sustentável para evitar o êxodo rural.

Claudiomário mesmo chegou a ir para São Paulo, mas só para conhecer. Fora isso, esteve seis meses num garimpo do Pará. “Voltei porque, além de não ter dado certo, adoro o meu lugar”, conta.

Ele, como outros moradores da região, mostra-se preocupado com a criação do Parque Nacional. “O ideal é que seja criado sem a necessidade de remover os habitantes para não seguir o mau exemplo de Sobradinho”, diz.

Fundo de pasto

Fartura é uma comunidade tradicional que se localiza no que, no norte da Bahia, chama-se Fundo de Pasto, ou seja reservas de pastagem em terras utilizadas para o pastoreio comunitário. Os Fundos de Pasto estão tradicionalmente associados à pecuária extensiva via o pastoreio da vegetação natural da Caatinga. Esse modo de exploração dos recursos naturais funcionou durante vários séculos, mas, hoje, tornou-se mais raro no Sertão do Nordeste brasileiro, onde, geralmente, o espaço foi apropriado e cercado individualmente.

Recaatingamento

Manoel Júnior dos Santos, 27 anos, é agente ambiental do projeto remunerado e trabalha como mobilizador, além de cuidar do viveiro. “Até o momento, a gente tem conseguido concluir todas as etapas, desde a capacitação, construção de cisterna, viveiro, plantação. Daqui para a frente é só esperar os bons resultados”, conta, destacando que “viver no Semiárido é muito gratificante”.

Com 23 anos, Manoel também migrou para a cidade. Trabalhou primeiro como vigilante e depois como encarregado numa fazenda de romã irrigada. “Aí triplicou o trabalho, com várias responsabilidades e burocracias. Domingo era o dia de folga, mas tinha que anotar o que fazer na segunda-feira. Só aguentei um ano e meio. É lógico que aqui tem horário de trabalho, mas trabalhando na cidade, não sobra tempo e não tem esse ar livre”, relata.

O Projeto Recaatingamento é executado pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa) nos municípios de Sento Sé, Sobradinho, Juazeiro, Casa Nova, Curaçá, Uauá e Canudos, e conta com patrocínio da Petrobras. A pretensão é promover, junto com os moradores das comunidades contempladas, o reflorestamento de determinadas áreas de Caatinga degradadas ou em processo de degradação.

Para isso, as famílias acompanhadas pelos agentes ambientais locais produzem, em viveiros, mudas de espécies da Caatinga. Desde o início de 2011, com o período das chuvas, em mutirão, os moradores das comunidades iniciaram o plantio. As mudas são plantadas em áreas coletivas escolhidas e isoladas. Esse processo permite que a vegetação seja recaatingada naturalmente, por meio da ação dos pássaros, do vento e da chuva, que se encarregam de espalhar as sementes.

Essa e outras ações do Irpaa envolvem as comunidades na recuperação e uso sustentável da vegetação nativa, ao incentivar práticas como o recaatingamento, beneficiamento de frutas, cooperativismo e associativismo, educação contextualizada, agroecologia, captação de água de chuva, entre outras formas de convivência com o Semiárido para aproveitar com responsabilidade o potencial.

Agrônomo responsável pelo projeto e ambientalista, o austríaco Markus Breuss conta que, na comunidade de Fartura, são três mil mudas plantadas em 130 hectares que foram isolados por cinco anos do pastoreio, com material e assistência técnica fornecidos pelo Irpaa. No total (sete comunidades) são 600 hectares isolados, somando 21 mil mudas plantadas. São quatro quilômetros de cerca elétrica, outra inovação que, além de manter os animais afastados, é mais ecológica e econômica, por gastar menos madeira. “O choque não mata, só assusta. É educativo”, garante o agrônomo.

“A gente quer mostrar que a Caatinga vale mais em pé que no chão. Uma Caatinga bem conservada significa rebanho gordo, saudável, melhor renda para o produtor. Também uma Caatinga com espécies medicinais e frutíferas, como umbu e maracujá-do-mato, gera renda para essas comunidades tradicionais”, destaca.

Breuss diz que a criação do Parque Nacional do Boqueirão da Onça como Unidade de Conservação de Proteção Integral exclui as comunidades da área e que está sendo desenhada a proposta de mosaico, que deixa um núcleo de proteção integral com unidades de uso sustentável ao redor. “O uso sustentável protege a Caatinga, sobretudo no combate à desertificação”, reforça.

800 mil ha

É a área do futuro Parque Nacional do Boqueirão da Onça. Quando oficializado, será a segunda maior unidade de conservação fora do bioma Amazônico, perdendo para o Parque Nacional da Serra das Confusões, no Piauí

Projeto

Executado pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa) nos municípios de Sento Sé, Sobradinho, Juazeiro, Casa Nova, Curaçá, Uauá e Canudos, conta com patrocínio da Petrobras

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