Ciência em prol da população rural

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Historicamente, o semiárido brasileiro, em especial o sertão nordestino, concentra os mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do País. Apesar dessa realidade vir mudando nos últimos anos, principalmente no que diz respeito à mortalidade infantil, ainda continua a incidência de mortes pela desnutrição dentre outras doenças consideradas da fome que poderiam ser evitadas. Para dar a sua parcela de contribuição na construção de um novo sertão, a Universidade de Fortaleza (Unifor) aposta na união entre a produção científica e o conhecimento local para ajudar a reverter o quadro de desnutrição de crianças, investindo no melhoramento do leite de cabra

Fazer ciência em favor da melhoria da qualidade de vida da população sertaneja. Este é um dos objetivos de um grupo de professores e alunos da Universidade de Fortaleza (Unifor), integrantes do laboratório de Biotecnologia Molecular e do Desenvolvimento, que trabalha nas pesquisas da Rede de Caprino-Ovinocultura e Diarreia Infantil do Semiárido (Recodisa). A intenção do estudo é o desenvolvimento de caprino transgênico com leite que contenha as proteínas lisozima e lactoferrina, presentes em maior quantidade no leite humano e consideradas anti-inflamatórios e antibióticos naturais.

“O objetivo final é utilizar o leite de cabra como alimento para prevenção e tratamento de diarreia em crianças”, resume o pesquisador da Unifor, Marcelo Bertolini. Segundo ele, no semiárido rural, a taxa de mortalidade das crianças de até dois anos de idade por diarreia é três vezes maior que a média nacional. “A cada mil crianças nascidas, 88 morrem até completar os dois anos, sendo cinco por diarreia. Há também a questão da morbidade, com centenas de crianças adoecendo”, comenta.

De acordo com a bióloga Luciana Bertolini, o leite pode atuar como fonte extra-nutricional de resistência a infecções. “A ideia é também ativar o sistema imunológico da criança que não mamou”, comenta, acrescentando que pesquisas recentes mostram, por exemplo, que as mães cearenses amamentam seus filhos, em média, apenas um mês. O projeto teve início no Ceará e percorrerá outros estados do semiárido.

Conforme os pesquisadores, a estimativa é de que, daqui a cinco anos, o leite já possa ser distribuído para a população, por meio do Ministério da Saúde. Os recursos para o projeto, orçados em R$ 6 milhões, são do Ministério da Ciência e Tecnologia. “Começamos um laboratório aqui na Unifor do zero, com apoio da Fundação Edson Queiroz, e já temos algumas cabras prenhes. Mas esta é uma pesquisa para resultados de longo prazo”, reforça Marcelo Bertolini, destacando que 20 pessoas trabalham com a iniciativa na Unifor, entre alunos de graduação, pós-graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado. “É uma pesquisa de vanguarda tecnológica”.

Transgenia

O projeto está sendo realizado em diferentes etapas, que compreendem o estudo etiológico da diarreia no semiárido – a cargo da Universidade Federal do Ceará (UFC); desenvolvimento do caprino transgênico – já iniciado pela Universidade Estadual do Ceará (Uece) e continuado pela Unifor; a análise proteômica e o desenvolvimento do leite; além de estudos pré-clínicos e clínicos com o leite. Marcelo Bertolini frisa que a pesquisa conta, ainda, com a participação da Universidade da Califórnia.

“Importamos sêmen de caprinos transgênicos da Universidade da Califórnia para que fêmeas de cabras gerem clones dos animais norte-americanos que já possuem transgenia para a produção da lisozima. As proteínas só são produzidas na glândula mamária do animal”, explica Luciana. O estudo, que está na fase de produção do embrião, prevê a transferência nuclear de células somáticas. O gene humano da lisozima e da lactoferrina é inserido no genoma do caprino. A Unifor é responsável pela criação e pelo alojamento dos animais transgênicos.

Com entusiasmo de quem faz um projeto para alterar a humanidade, Marcelo Bertolini destaca que a Unifor está utilizando uma técnica inovadora de clonagem manual de caprino. Quanto a utilização de cabras na pesquisa, ele explica que o leite destes animais é ideal porque não é afetado no processo de industrialização. “Com seus derivados, é possível fazer alimentos mais saudáveis, como iogurtes e queijos, ricos em proteínas que reduzem infecções e diarreias”.

Outros estudos

A Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), em Mossoró (RN), apresenta-se como oportunidade para jovens que buscam a excelência no ensino e não querem abandonar a região. No início deste ano, começou a funcionar o campus de Angicos que, além dos alunos locais, vem contando com a presença de estudantes de várias partes do País. Dos seus laboratórios, surgem, a cada dia, novos experimentos e, o que é melhor, voltados para a realidade local. Exemplo disso é o autotransplante de tecido ovariano de cabras, do qual participam dez alunos dos cursos de Veterinária e Biotecnologia

Um dos experimentos mais importantes em desenvolvimento na Ufersa, em parceria com a Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), em Jaboticabal, é uma pesquisa inédita no País, que envolve o autotransplante de ovários de cabras. A cargo do doutor em Reprodução Animal Marcelo Barbosa Ribeiro, e da doutora em Cirurgia Veterinária Michelly Fernandes de Macedo, estão sendo testadas técnicas de autotransplante, quando o doador recebe o próprio tecido.

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