Aprendizado para viver no campo
Localizada no município de Monte Santo, região fortemente marcada pela presença messiânica do cearense Antônio Conselheiro, no fim do século retrasado, a Escola Família Agrícola do Sertão impressiona pela eficiência na formação de jovens para a permanência no campo, inspirados nos Princípios da Pedagogia da Alternância, de promoção do desenvolvimento local sustentável e solidário, Pedagogia da Cooperação, valorização da cultura e dos valores do campo, promoção da cidadania, economia solidária, enfim, na formação integral do jovem social, profissional e pessoal
Chegamos sem avisar à Escola Família Agrícola do Sertão (Efase) de Monte Santo, no norte da Bahia, até porque o acesso e a comunicação são difíceis na área de Fundo de Pasto – maneira coletiva de produção – doada pela comunidade de Lagoa do Pimentel, a 20km da sede do município, para o funcionamento da instituição. Mas, para quem detém aquele tipo de disciplina, que impressionou toda a nossa equipe, nem precisa de aviso.
Lá tudo funciona rigorosamente conforme o planejado. Seguindo os três pilares da Pedagogia da Alternância – comunidade – família – escola, todos se revezam em funções definidas a cada quinzena passada na escola, onde, além do ensino regular, os alunos têm acesso às melhores práticas na lida com as atividades agropecuárias, domésticas e cidadãs.
Fomos recebidos pela monitora do dia, Michele Guimarães, 22 anos, ex-aluna da escola, é claro, que nos contou a história da instituição, como funciona e nos acompanhou numa visita, não apenas pelas instalações, mas pela rotina dos alunos, cujos depoimentos confirmam nossas impressões.
Hoje a Efase de Monte Santo funciona com o apoio do governo estadual por meio de recursos para alimentação e pagamento dos monitores. Alguns dos municípios beneficiados ajudam no transporte.
Além das disciplinas tradicionais, são repassadas aos alunos técnicas de agricultura, zootecnia, educação ambiental e administração rural. Se acorda às 5h30. No dia são três aulas práticas de campo: 6h30 às 7h30, 8h30 às10 horas e 15h30 às 17h15. Às 22 horas deve-se fazer silêncio. As atividades vão de domingo a domingo como em qualquer propriedade. Só não tem aula no domingo. A cada dois meses são realizadas reuniões com os pais e toda semana tem visita às famílias.
Nos 15 dias que o aluno fica em casa não está de férias, mas aplicando e difundindo conhecimentos e fazendo pesquisas. “Queremos quebrar a ideia de que o filho do agricultor tem que ir estudar na cidade. Porque temos os nossos valores. Na cidade não se ensina a cuidar da natureza, fortalecer a juventude, formar valores”, explica Michele.
Entre as regras – construídas em assembleias – não se pode namorar, fumar ou beber; deve-se cumprir todas as tarefas, acordar e dormir na hora certa.
A propósito, o monitor do dia fica encarregado de checar se todo mundo acordou na hora certa, se todo mundo está cumprindo as tarefas, se tem alguém doente, precisando de remédios, de hospital.
Vale o sacrifício
Sobre essa rotina severa, Gilvando Bispo de Sousa, 23 anos, diz: “Eu não senti tanta dificuldade, particularmente, mas cada um tem a sua forma de pensar e de agir”. E Eliseu da Silva Sousa, 17 anos, completa: “Não é fácil, mas a gente se acostuma. Quem quer procurar um futuro melhor tem que se adaptar. As regras são normais para formar uma família com respeito a cada um e formar novos cidadãos. É esse o objetivo dessa escola”.
“A cada quinzena os monitores dividem as tarefas por pessoa: lavar louça, limpar o refeitório, lavar a copa. Eu estou aqui lavando louça agora e tem alunos que ajudam os colegas a cumprirem as tarefas. Eu gosto porque é em grupo, não é nada sozinho, chega a ser divertido e a gente faz em casa, ajuda a mãe. Antes só a minha mãe limpava, fazia comida. Agora quando ela sai, eu limpo a casa, faço comida. Também aprendi a trabalhar em grupo, a falar em público, fazer reunião com a comunidade”, conta Leandro Alves da Silva, 15 anos, 8º ano.
Mas as atividades são suspensas num momento especial, o da oração ecumênica diária, antes do almoço, ao meio-dia, embaixo do umbuzeiro.
História
Em 1998 foram iniciadas as atividades com o Ensino Fundamental, da 5ª à 8ª série. Somente em 2004 conseguiu-se implantar o Ensino Médio e Profissionalizante, na área de agropecuária, com fundamentos da participação e Agroecologia.
Márcio Brito de Andrade, de 28 anos, aluno da primeira turma, hoje técnico agrícola e monitor, conta que o começo não foi muito fácil e precisou de um trabalho de base para dizer o objetivo, mostrar as regras. “Depois de mais de dez anos mudou muito, quando se conhece, passa a se acreditar”.
Hoje a Efase de Monte Santo tem aproximadamente 250 alunos e atende a 16 municípios do semiárido baiano. O objetivo é incentivar os agricultores a trabalhar a terra sem destruí-la, aproveitando o que a Caatinga oferece para a alimentação do ser humano e dos animais, num trabalho coletivo e solidário. Como busca o desenvolvimento do ser humano como um todo, são constantes as atividades coletivas e culturais, para o desenvolvimento da responsabilidade coletiva e a valorização da cultura popular.
“O repasse nas comunidades é como uma disciplina a mais na escola. Tudo o que nós aprendemos, temos a obrigação de repassar, uma vez que são comunidades de pequenos agricultores, que têm dificuldade na assistência técnica. Os alunos são responsáveis pela mediação. Não só a minha família é beneficiada, mas toda a comunidade”, conta Farnésio Brás, 23 anos, de Campo Formoso, a 200 km, onde faz parte do Grupo Regional de Economia Popular Solidária (Creps).