Colonos e motoristas
Todos temos um pouco – ou muito – de colono e motorista. No mínimo, dependemos de um e de outro: 70% da comida que chega na nossa mesa vem dos agricultores familiares. Para ir de um a outro lugar, ou somos motoristas ou dependemos de alguém, profissional ou não.
Sem falso orgulho, carrego pela vida alguns calos na mão e nos dedos, adquiridos há décadas trabalhando na roça ao lado de seu Léo e dona Lúcia, na propriedade de pouco mais de 20 hectares na pequena Santa Emília, Venâncio Aires, interior do interior do Rio Grande do Sul.
Quando eu era guri, plantávamos fumo (como, aliás, a região, o Vale do Rio Pardo, continua fazendo majoritariamente até hoje). Era duro: colher as folhas de fumo – que deixavam as mãos, os braços e a roupa toda gosmenta -, colocá-las no forno que ardia noite e dia (papai precisava levantar durante a noite para alimentar de madeira a fornalha quente).
Depois, fazer a seleção, folha por folha, sentado no chão, segundo a classificação oferecida pela indústria. Finalmente, vender o produto para os “americaner”, que era como os alemães identificavam, ironicamente, a Souza Cruz. Alguém estrangeiro, de longe, explorador!
Mas foi aí que aprendi a ler e escrever. Tia Leonida, que morava com a gente, na sua sabedoria de agricultora e leitora voraz, achou um método alfabetizador eficiente. Enquanto sortia o fumo sentada no chão, escrevia, com carvão, letras e palavras na parede do galpão de madeira. Eu relutava, chorava dizendo que não seria capaz, mas quando fui para a escola São Luiz, com seis anos, mais falando alemão que português, sabia ler e escrever.
Depois, papai abandonou o fumo, passou prioritariamente para a criação de porcos, e em seguida para o plantio de soja, eu, primogênito, e a carreira de oito irmãos, estávamos sempre trabalhando e estudando, felizes, preparando-nos para a vida e o mundo.
Crescemos saudáveis, comendo de tudo que a terra dava aipim, batata, laranjas, alface, tomate, goiabas, ameixas, bergamotas, schmias, milho e tantas outras coisas mais – e o que os animais davam carne, ovos, lingüiça, banha, torresmo, queijos, leite, etc. Hoje, os manos mais novos, Elma e Marino, continuam, com mamãe, na mesma terra, plantando, colhendo, criando galinhas, tendo algum gado e porcos para o consumo, e vendendo o que produzem quartas e sábados, principalmente frutas e verduras, na Feira do Produtor na cidade. Vivem disso, e relativamente bem.
Aí aprendi a amar a terra, as plantas, as árvores, a gostar da chuva, que nesta época do ano teima em não cair em Brasília. (Em todos os lugares onde moro, quero logo saber se há árvores e verde na redondeza.) Da varanda de casa, ficávamos olhando as gotas de água caindo no chão seco, com um cheirinho de terra que ainda hoje vejo presente e sinto nas narinas, as valetas abertas transbordando, a cisterna de casa, que era a água que se bebia, vazando, o milharal ficando verde e o parreiral ao lado de casa se enchendo de folhas e cachos de uva, a serem comidos ali mesmo ou transformados em vinho caseiro dos bons.
Por isso, o 25 de julho, Dia do Colono e do Motorista, merece toda esta celebração e tem a mística que adquiriu ao longo do tempo. Comemos o que alguém planta ou nós mesmos plantamos. Dependemos de seu cuidado, da forma como cuidam de cada verdura, de cada pé de feijão ou de cada batatinha arrancada da terra. E estamos nas mãos do guia dedicado que coloca as mãos no volante para nos levar a visitar nossa mãe, nossos netos, nossos afilhados e amigos, leva as crianças para a escola ou transporta os alimentos de um lugar para o outro.
Disse a presidenta Dilma no lançamento do Plano Safra/2011 da Agricultura Familiar em Francisco Beltrão, Paraná: “O Brasil deve se orgulhar muito dos seus agricultores familiares. A agricultura familiar tem sido responsável por um feito extraordinário no nosso país. Esse feito foi a redução da desigualdade social no Brasil. A agricultura familiar cria um Brasil mais democrático, um Brasil que tem base dos produtores familiares capazes de levar o aumento de renda e a melhoria produtiva para todo o nosso país. O Brasil precisa de vocês, precisa do esforço de vocês”.
Colonos e motoristas são essenciais. Merecem todo nosso apoio, reverência e elogios, assim como todo cuidado do poder público. Parabéns e mil vidas pela frente a esses construtores da vida e do futuro!
* Selvino Heck é assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República