Harmonia com o semiárido
Não é novidade dizer que o semiárido brasileiro caracteriza-se por elevadas temperaturas e chuvas escassas e mal distribuídas durante o ano, com as precipitações concentradas em poucos meses e seguidas por longos períodos de estiagem. Mas ao contrário do que aponta o senso comum, a particularidade da região não a torna uma área pobre ou improdutiva. Essa condição apenas exige procedimentos e técnicas específicas para lidar com a região, driblando a falta de chuvas e possibilitando a permanência na terra, com qualidade de vida.
Pois o objetivo das diversas Tecnologias Sociais desenvolvidas para o local é justamente esse. Busca-se estabelecer a convivência harmônica com o semiárido, capaz de garantir um modelo sustentável que melhora as condições de vida de seus habitantes e preserva sua biodiversidade. E com assessoria e apoio técnico de organizações como o Esplar (CE), a AS-PTA (PB) e a Articulação no Semiárido Brasileiro, os agricultores e agricultoras familiares são aliados na implantação de tal modelo.
Três tecnologias que atuam juntas nesse processo são os Bancos de Sementes, o Consórcio Agroecológico de Algodão Orgânico e as Cisternas de Placa. A criação e o fortalecimento dos Bancos de Sementes são uma garantia de ampla diversidade de sementes de boa qualidade e em quantidades suficientes para os plantios. Para as milhares de famílias atualmente envolvidas, resguardar essas sementes significa ainda assegurar a autonomia técnica e o modo de vida da agricultura familiar, desenvolvido por gerações para a convivência com o semiárido.
A história dos Bancos de Sementes na Paraíba ilustra bem todo o processo. Em 1974, uma forte seca fez com que os moradores de São Tomé, em Alagoa Nova, ficassem sem os insumos para plantar. José Luna foi procurar a ajuda da igreja e recebeu um saco de feijão, um de milho e o desafio de fazer multiplicá-las.
Juntaram-se então representantes de dez famílias e formou-se o primeiro Banco de Sementes: cada uma levou para casa 10 quilos de feijão e dois de milho. Essas sementes deveriam ser multiplicadas e cada representante deveria devolver 15 quilos de feijão e três de milho. Funcionou. Após alguns anos, 150 famílias estavam associadas e o estoque só aumentava. Os bancos comunitários também se multiplicaram, formando uma rede estadual com mais de 200 unidades.
No Ceará, acontece uma das experiências de cultivo de algodão orgânico consorciado, com o apoio técnico do Esplar – Centro de Pesquisa e Assessoria. Segundo a organização, o algodão é cultivado em sistemas consorciados com culturas alimentares como milho, feijão, gergelim e guandu, além de espécies arbóreas como nim e leucena.
Nesses sistemas, os agricultores empregam técnicas de conservação do solo, adubação orgânica, manejo ecológico de pragas e promovem a variedade de culturas. O projeto resulta no aumento da renda, por meio da venda dos produtos com maior valor agregado, na diversificação da oferta de alimentos sadios para as famílias que dele participam e na melhoria da qualidade do solo nas áreas trabalhadas.
Já as técnicas agroecológicas associadas ao uso de sementes nativas e ao trabalho comunitário contribuem para o aumento da produtividade e o combate à fome na região. Agregado a essas atividades, as famílias ainda contam com as Cisternas de Placa, que beneficiam as famílias do semiárido com água potável para beber e cozinhar. Com capacidade de armazenar 16 mil litros, as águas das cisternas chegam a durar oito meses, se utilizada de forma adequada.
Mas seus benefícios extrapolam as questões hídricas. Elas possibilitam que as famílias tenham independência, autonomia e liberdade de escolher seus próprios gestores públicos. Além disso, podem buscar e conhecer outras técnicas de convivência com o Semiárido, com mais saúde e mais tempo para cuidar das crianças, dos estudos e da vida em geral. Isso porque a tecnologia libera as famílias da obrigação de buscar água para garantir sua sobrevivência.