Ibiúna quer ser capital da horta orgânica
Com 85% do território coberto por matas e mananciais, Ibiúna, a 75 quilômetros de São Paulo, buscou no cultivo orgânico uma forma de conciliar preservação com geração de renda para o agricultor familiar. Um grupo de 80 produtores já trabalha com produção certificada de legumes e hortaliças, totalmente livres de agrotóxicos. A produção cresce tanto que a Secretaria de Agricultura local vai reivindicar para a cidade o título de “capital da verdura orgânica” no Estado de São Paulo.
O produtor Geraldo Magela é um dos que levam ao extremo os cuidados com o meio ambiente. Vista de longe, a área de 5 mil metros quadrados da horta parece um matagal. Só após transpor a cerca viva que circunda os canteiros é possível observar que a área está cultivada com radichio (espécie de chicória italiana), couve-manteiga, catalônia e salsinha. As plantas ocupam uma parte limpa, no meio do canteiro, cercada por mato e capim.
No mato. Magela, um ex-bibliotecário formado pela Universidade de São Paulo, que há 25 anos deixou a capital para viver no “meio do mato”, diz que segue a linha do quanto mais natural, melhor. “Não uso trator, nem máquinas, apenas uma roçadeira para reduzir a altura do mato.”
A camada de material verde evita a erosão e mantém a terra úmida, reduzindo a evaporação. Quando chove, o mato impede que os nutrientes sejam carreados pela enxurrada. A horta é irrigada por microaspersão, sistema mais econômico. Enquanto um bico de aspersão consome 3.500 litros de água por hora, o micro gasta apenas 200 litros. Em outros 5 mil metros da propriedade, ele mantém uma produção de cana e capim para alimentar cavalos e galinhas que, por sua vez, fornecem esterco para a horta. “Na compostagem, incluo as folhas e restos da roçada.”
Magela cultiva também especiarias, como alecrim, manjerona e basílico. Ele foi um dos pioneiros em horticultura orgânica no município. Sua produção é disputada pela clientela. “Só não vendo mais porque a quantidade é limitada.” O produtor vive da renda do sítio.
Magela faz parte da Associação de Pequenos Produtores Orgânicos de Ibiúna (Appoi), com oito associados. A entidade mantém uma empresa para a venda dos produtos, tanto a produção própria quanto a adquirida de outros produtores. Até o início do ano passado, a associação abastecia 11 lojas de uma grande rede varejista. “Tomamos uma decisão difícil, de abrir mão do nosso principal cliente para atender o pequeno varejista e o consumidor final. Foi uma decisão acertada.”
Para isso a Appoi fez parcerias com produtores de outras regiões. “O pessoal de Itapeva, por exemplo, nos fornece legumes como pimentão, berinjela e chuchu. Às vezes, recorremos a produtores de outros Estados, como Santa Catarina.”
A principal vantagem da troca foi tornar a relação comercial mais justa. Nas grandes redes, segundo ele, o produtor arca com descontos, devoluções, quebras, burocracia e demora para receber. Já na venda direta, se estabelece uma relação pessoal com o consumidor, que dá palpites sobre os produtos. “Num desses casos, mudamos a embalagem do espinafre e passamos a vender as folhas pré-lavadas. Foi o que bastou para aumentar a venda de 30 para 300 unidades por dia.”
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De convencional a ambiental
Na lavoura do agricultor Antonio Dias de Oliveira, também em Ibiúna, os canteiros de espinafre e o talhão com repolhos têm plantas tão viçosas que só de olhar dá vontade de comer. Por anos, ele foi produtor convencional. Com a certificação, orgânica, manteve os cuidados para ter produtos de boa aparência, mas rigorosamente orgânicos. “Aprendemos a formular adubações e a entender o comportamento da planta no campo”, diz.
Parte da produção é cultivada em estufas e alguns canteiros a céu aberto são protegidos com telas. Quando a terra está descansando, ele faz a semeadura de aveia para manter o solo protegido e, ao mesmo tempo, produzir massa para adubação verde. As áreas de produção, no bairro Paiol Pequeno, cobrem 12 hectares. Nos talhões com repolho observa-se que as folhas externas estão com furinhos resultantes da ação de lagartas e percevejos.
O mato viceja entre uma linha e outra da leguminosa e pequenas flores atraem as borboletas. São elas que põem ovos e geram as lagartas, nada que prejudique a plantação. “Não é preciso usar veneno, nem armadilha. A própria natureza faz o controle”, diz. Oliveira aprendeu a economizar água, um bem abundante no município, mas disputado também para o abastecimento urbano. Ele está trocando o sistema de irrigação por outro mais econômico.
A Secretaria de Agricultura de Ibiúna contratou uma equipe de estagiários para inventariar a produção orgânica no município. O objetivo, segundo o secretário Benedito Vieira Martins, é conhecer a produção para fortalecer a atividade. “O consumo de produtos orgânicos está em expansão e Ibiúna tem condições de ser um dos principais produtores.”
Conforme o secretário, a oscilação dos preços dos hortigranjeiros tem sido fator de desestímulo para os produtores locais, fator que desaparece na produção orgânica. “O preço da verdura orgânica, além de melhor, é mais estável e garante renda o ano todo.”
A Secretaria está empenhada na criação da primeira Cooperativa dos Agricultores Familiares de Ibiúna, que terá um setor exclusivo para orgânicos. “A atividade vem crescendo, em função da demanda do consumidor mais exigente.” Com as cooperativas ou associações, o produtor pode reduzir o custo da empresa certificadora, no sistema de certificação participativa, previsto pela nova Lei dos Orgânicos, que entrou em vigor em janeiro.
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Vocação para os cultivos sustentáveis
A agricultura orgânica é a que mais se encaixa no perfil de Ibiúna, que tem grande parte dos 1.050 quilômetros quadrados tomada por unidades de conservação, como o Parque Estadual do Jurupará e a Área de Proteção Ambiental de Itupararanga.
Metade do território está coberta pela Mata Atlântica, considerada Reserva da Biosfera pela Unesco. Ao mesmo tempo, o município faz parte do Cinturão Verde da Grande São Paulo. Ibiúna tem cerca de 3 mil propriedades agrícolas, mas 70% são pequenos sítios familiares. A produção das hortas, escoada para a capital, enche uma frota de 300 a 400 caminhões por dia.
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Pepinos orgânicos, brotos e a bactéria assassina
Tânia Rabello
O surto de infecções provocado por uma variedade extremamente agressiva da bactéria Escherichia colli pôs em questão – embora sem fundamento, como foi provado depois – a agricultura orgânica. Primeiro porque suspeitava-se que a origem do foco estava em pepinos orgânicos espanhóis. Em seguida, foi a vez de brotos alemães, cujo cultivo tem vários elementos da agricultura orgânica. O surto, porém, dizem especialistas, não tem nada a ver com a forma de cultivo, e sim com a falta de higiene. Seja no processo de produção dos alimentos – orgânico ou não – ou no próprio manuseio desses alimentos. Não lavar bem as mãos, nem os alimentos crus antes de consumi-los, por exemplo, pode estimular a contaminação pela E. colli. Por isso, o recomendado, até que se descubra de onde se originou efetivamente este surto mortífero na Europa, é evitar consumir alimentos crus e adotar hábitos básicos e frequentes de higiene. Para os produtores, orgânicos ou não, certificar-se sobretudo sobre a qualidade da água e do adubo orgânico usados no cultivo.
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