O fazer agroecológico de D. Mirtes em uma terra abençoada

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Com a água da cisterna-calçadão, dona Mirtes diversificou seu plantio no quintal de quase um hectare. Foto: Monyse Ravena 

O município de Apuiarés, localizado a 111Km de Fortaleza, tem clima semiárido, como a maioria dos municípios cearenses. É nesse cenário e na comunidade Sabonete que vivem D. Mirtes da Silva Pinto e Seu Francisco Teles Pinto, agricultora e agricultor desde a infância. Agroecológicos a partir de um novo conhecimento, de uma proposta alternativa de agricultura familiar socialmente justa, economicamente viável e ecologicamente sustentável. D. Mirtes é uma das agricultoras que vai participar do II Encontro Nacional de Agricultoras e Agricultores Experimentadores do Semiárido que vai acontecer de 27 a 29 de abril, em Pernambuco.

A casa simples e acolhedora do casal figura em perfeita harmonia com o lindo, colorido e diverso quintal cultivado por eles. A cor e a diversidade vieram depois da construção de uma cisterna calçadão no quintal, “antes da cisterna a gente só plantava milho e feijão. A gente sempre comemora a chegada do inverno, mas agora com a calçadão a gente consegue produzir o ano inteiro”, diz D. Mirtes. Alface, cebolinha, coentro, tomate, cebola, melão, feijão, abacate, são apenas alguns dos produtos cultivados. Na casa, a água de beber vem de uma cisterna de placa, construída em 2003, antes vinha de um cacimbão.

Toda essa produção da família foi potencializada pela cisterna calçadão. Na opinião de Seu Francisco, a implementação da cisterna melhorou 100% a produção. “Porque antes não tinha condições de ter esse plantio aqui, não tinha condições de ter essa variedade. Antes a gente só plantava milho e feijão, todo o resto foi plantado depois da calçadão”. Além da cisterna, a abordagem agroecológica também trouxe mudanças profundas na forma de produzir da família.

Hoje, a agroecologia pode ser entendida como ciência, como movimento e como prática, porém o mais importante é que ela consegue agregar saberes populares e tradicionais provenientes das experiências de agricultores familiares, de comunidades indígenas e camponesas. Experiências como a de D. Mirtes, que se considera multiplicadora de agroecologia há seis anos, quando começou a participar de momentos de formação promovidos pelo Centro de Estudos do Trabalho e Assessoria ao Trabalhador (Cetra). Daí para frente vieram outras formações com a Cáritas Regional Ceará e a Cáritas Diocesana de Itapipoca.

Junto às formações, também vieram os intercâmbios, neles D. Mirtes conheceu agricultores e agricultoras familiares nos municípios de Tianguá, Itapipoca e Irauçuba, no Ceará, e também de Pernambuco.

D. Mirtes diz que ser agroecológico é “trabalhar na agricultura, sem agrotóxico, sem fazer queimada e respeitando a natureza.” O quintal da família tem aproximadamente um hectare onde se plantam diversas variedades de culturas, entre elas, milho, feijão, banana, graviola, caju, acerola, entre muitas outras e criam capotes e galinhas. Na casa moram apenas três pessoas. O que é produzido no quintal além de consumido, é trocado, vendido e compartilhado. “O povo pensa que a gente tem açude no verão, porque é tudo seco e aqui é verde”, diz Seu Francisco.

D. Mirtes e Seu Francisco há seis meses participam da Feira Agroecológica do Município de Apuiarés e contam que seus produtos são muito procurados. Além do que plantam do quintal, eles também levam para feira tapioca, bolos e xaropes medicinais feitos com matéria prima retirada de sua produção. Para que isso aconteça, D. Mirtes fala que é preciso ir tratando, cuidando e zelando o quintal, além do cuidado na aguação. Ela conta emocionada que muita gente vem de longe para conhecer o quintal. “Até o Bispo veio aqui e até o abençoo”.  Mas, não foi sempre assim, o casal conta que já usaram produtos químicos, antes de conhecer e fazer parte do processo agroecológico, mas dizem que nunca fizeram queimada.

Pela experiência de D. Mirtes e Seu Francisco é possível perceber como a agroecologia faz direta contraposição ao agronegócio, condenando a produção centrada na monocultura, na dependência de insumos químicos e na alta mecanização, além da concentração de terras produtivas, a exploração de trabalhadoras e trabalhadores e o consumo não local da produção.

Também no quintal D. Mirtes encontra as lembranças de sua infância. Infância vivida na beira do rio, por isso talvez a planta que ela cuide com mais carinho, porque é o carinho e a ternura da memória seja o trapiá. “Deus me livre de não ter meu trapiá aqui no quintal”.

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