Exportação do mel quebra recordes e transforma a vida no semiárido
A profissionalização da apicultura na região de São Raimundo Nonato está conseguindo mudanças que podem ser consideradas verdadeiros milagres numa região seca e até bem pouco tempo tida como imprestável, verdadeira morada da fome e da miséria.
Na última década, além de promover a melhoria na qualidade de vida das pessoas, a exploração das atividades apícolas, principalmente a produção de mel e cera, disseminou a importância da vegetação da Caatinga e a necessidade de sua preservação. Ninguém mais fala em queimadas, e o comércio do mel, principalmente com o exterior, já movimenta milhões de reais, dinheiro que consegue chegar ao início da cadeia produtiva, recheando os bolsos dos apicultores.
“Se tivesse recursos para investir mais um tiquinho, em pouco tempo eu tava andando de avião e jogando dinheiro pra cima”, comemora Júlio Paes de Castro, 53 anos, um dos maiores apicultores do povoado São Vitor, na zona rural de São Raimundo Nonato, a 33 quilômetros da cidade.
A safra 2009-2010, considerada fraca, por conta de um inverno ruim, rendeu a “Seu Júlio”, como é conhecido na região, uma colheita de dez toneladas de mel e um lucro de R$ 42 mil, números que devem dobrar este ano, graças ao bom inverno e a uma boa distribuição das chuvas. Plantando mandioca e feijão, mesmo em épocas de bom inverno, ele jamais alcançaria tal patamar.
“Seu Júlio”, tendo como único ajudante o filho Jucicley Castro, 21 anos, nesta safra está trabalhando com 344 colmeias produzindo mel orgânico – mais caro que o convencional – e tem certeza de que na colheita que já começou, e que deve se prolongar até o mês de junho, chegará pelo menos as 15 toneladas do produto. “Se continuar chovendo bem posso até passar dessa quantidade. O inverno não acabou ainda, vai chover mais e vou ter mais uma colheita”.
Júlio Castro e os apicultores do povoado São Vitor começaram a se interessar pelo mel no final dos anos 1990, mas foi nos últimos quatro anos, com o incentivo do governo, através de órgãos como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e Sebrae que a apicultura passou a ser a principal atividade da comunidade, que este ano deverá alcançar a marca de cem toneladas do produto, 40 toneladas a mais do que a safra passada. O Banco do Nordeste e o Sebrae garantem recursos e a qualificação dos agricultores.
A presença do Governo do Estado na apicultura acontece através das chamadas casas do mel, construídas e equipadas pelo Programa de Combate à Pobreza Rural (PCPR), e pela Secretaria do Desenvolvimento Rural (SDR), que está construindo um grande entreposto na cidade de São Raimundo Nonato. Na Casa do Mel, obra executada em parceria com associações comunitárias, o apicultor tem um local seguro, com máquinas que garantem a qualidade e a higiene necessárias ao manejo do produto de suas colmeias.
Antes do mel, os agricultores tentavam sobreviver plantando mandioca e feijão numa região de baixíssima pluviometria – a menor do Brasil – e passavam a maior parte do tempo rezando para que Deus mandasse chuvas. Com um inverno geralmente irregular, na maioria dos anos o resultado era o mesmo: perda total da safra e mais necessidades. “Agora, com a abelha, sei que estou trabalhando e sei que elas estão me ajudando. A abelha para mim é tudo”, filosofa Júlio.
“Na apicultura, mesmo com um inverno ruim, fica alguma coisa, a pessoa colhe alguma coisa”, garante Pedro Augusto Ribeiro de Sousa, o “Pedro Mel”, um teresinense de 47 anos de idade, intransigente do meio ambiente e técnico em apicultura, formado pelo Centro de Apicultura Tropical (CAT), da cidade paulista de Pindamonhangaba.
Ele chegou à região em 1997, como técnico do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). Gostou, foi ficando e mora em São Raimundo Nonato até hoje. Na região, já preparou mais de duas mil famílias para o trabalho com as abelhas.
Atuando como consultor e vez por outra prestando serviços ao Sebrae, Pedro é o maior conhecedor da apicultura da região e responsável pela nova rentabilidade que começa a surgir no meio rural. “As comunidades estão avançando, tanto na consciência de preservação como na parte prática, no manejo das abelhas, que garante melhor produtividade e um lucro bem maior”, diz.
O técnico considera que os agricultores da região são vocacionados para este tipo de trabalho e assegura que a Caatinga do Piauí possui o melhor potencial melífero do mundo, graças à diversidade de floradas. “Aqui, temos abelhas fortes, sadias, resultado de cruzamento de espécies europeias e africanas, o que faz a grande diferença do mel do Piauí, que avança cada vez mais nos mercados da Europa e dos Estados Unidos. Além do mais, nosso mel é totalmente livre de agrotóxicos, outra diferença fundamental”.
Pedro tem certeza de que a apicultura é o futuro da Caatinga piauiense, o caminho mais curto para transformar a vida das pessoas, não apenas com a produção e comercialização do mel e cera, mas também com a produção de própolis e de geleia real, mundialmente reconhecidas como de grande poder curativo. Ele defende a instalação de uma unidade de beneficiamento na região, como forma de agregar valores à atividade. “Não exploramos nem dez por cento da capacidade produtora da Caatinga, O mel é nosso ouro líquido”, diz.
O entusiasmo com a apicultura na Caatinga não se resume a Júlio Castro e a Pedro Mel. Na comunidade Macaco, a 18 quilômetros de São Raimundo Nonato, o mel ainda é a terceira fonte de renda, mas se depender dos agricultores, não demora e passa em importância o cultivo de mandioca e feijão, ainda a principal atividade econômica da área.
Para o ex-presidente da Associação de Pequenos Produtores, de Macaco, Valdemir Silva, 39 anos de idade e apicultor há mais de dez anos, a chegada, em 2010, da Casa do Mel já começa a fazer a diferença. Das duas toneladas da safra passada, ele alimenta a expectativa de que na safra 2010-2011, ajudada também pelo bom inverno, a produção em Macaco chegue pelo menos a quatro toneladas de mel. “Estamos começando a produzir o mel orgânico, que custa mais e tem um mercado melhor do que o do mel convencional. Só com a Casa do Mel podemos avançar na produção”, reconhece. Um galão com 25 litros de mel orgânico é vendido no momento por R$ 105. A mesma quantidade de mel convencional, custa R$ 90.
Em São Lourenço do Piauí, ainda na região de São Raimundo Nonato, a comunidade Queimada da Roça, a 14 quilômetros da cidade, foi outra que entrou de vez na produção do mel orgânico. Na última safra, cada um dos 25 sócios da associação de apicultores conseguiu produzir, em média, 800 quilos de mel, garante o presidente da entidade, José Bonfim. “A gente vende para uma exportadora de Santa Catarina, que também tem nos ajudado muito ao colocar cera de qualidade à disposição dos apicultores”, explica, acrescentando que a apicultura se transformou na principal fonte de renda dos moradores.
Um milhão de toneladas para exportação – Engana-se quem pensa que o mel está fazendo a alegria apenas de apicultores oriundos dos pequenos roçados de milho e mandioca. Estabelecido no centro da cidade de São Raimundo Nonato, o comerciante Valcir da Silva Santos vive da compra e venda de mel. Ele adquire o produto de apicultores da região e revende às empresas exportadoras. Em uma safra fraca, ele chega a comprar e revender de 500 a 600 tambores de mel, cada um deles com 280 quilos de produto.
“É do mel que vem um dinheirinho, da roça não sai nada. É melhor do que criar bode e plantar feijão”, diz Valcir Santos, que até o mês de junho espera dobrar suas compras em relação à safra do ano passado. “O mel foi Deus quem mandou pra gente”.
O comerciante Cosme Sousa Cazé confirma. Apicultor e comprador de mel há cinco anos, “Galego das Peles”, como é conhecido em São Raimundo Nonato, garante que trabalhar com abelhas é melhor até do que criar gado. Ele fala com conhecimento de causa, porque também é criador. “Tem criador abandonando o gado. O mel tem outro futuro”.
Em sua propriedade na localidade Serra Branca, a 36 quilômetros da cidade, “Galego das Peles” conseguiu lucrar no ano passado cerca de R$ 12 mil com a produção de mel.
Se produtores e agricultores estão satisfeitos com a atividade, as empresas exportadoras que se instalaram em São Raimundo Nonato também não têm motivos para queixas. Uma delas, a catarinense Prodapys, movimentou somente na safra passada 500 mil toneladas de mel e a perspectiva é de que em 2011 possa se aproximar de um milhão de toneladas.
A secretária executiva da empresa, Vilma dos Santos Castro, revela que do início da safra deste ano, em fevereiro, até agora, a Prodapys já alcançou o volume adquirido ano passado, daí a expectativa otimista. “A empresa trabalha com mel orgânico desde 2005 e acredita muito na potencialidade de São Raimundo Nonato” diz ela.
Como que para demonstrar a confiança, mostra o imenso entreposto construído na cidade, resultado de um investimento de R$ 1 milhão. Outras cinco empresas de grande porte estão instaladas em São Raimundo Nonato.
O sucesso do mel contagia a todos, até mesmo aos que não participam da atividade em nenhum de seus estágios. É o caso de Antônio Macedo, proprietário de uma loja de departamentos no centro da cidade. Ele revela que de seus 13 mil clientes em carteira, pelo menos dois mil apresentam a apicultura como principal fonte de renda. E mais: de seus 50 funcionários, vários têm na apicultura uma segunda atividade. “O mel hoje exerce uma grande influência em São Raimundo Nonato”.
Entre os funcionários apicultores, Macedo cita Natalino Ribeiro da Silva, 41 anos, há sete anos um dos líderes da comunidade Macaco. “Não criamos abelhas, as abelhas é que estão nos criando”, ensina Natalino, o comerciário e apicultor que ganhou este nome por ter nascido no dia de Natal.