O guardião das sementes crioulas no Sertão
Olhando de longe, a terra parece improdutiva ou apropriada apenas às catingueiras, plantas típicas da vegetação caatinga, capim e algumas variedades de coqueiro. Mas, checando mais de perto, é possível perceber que alguns sertanejos fazem uso da terra de modo sustentável e dela conseguem obter uma variedade de alimentos, principalmente de grãos. Além disso, alguns deles desenvolvem um trabalho de preservação das sementes conhecidas como crioulas, que são aquelas melhor adaptadas ao Sertão.
Um desses agricultores, e talvez o mais engajado, é Sebastião Damasceno, 55 anos, morador do Sítio Cabaceiro, na zona rural de Santana do Ipanema. Nascido e criado no mesmo local, ele se define como um agricultor agroecológico e se diz apaixonado pelas sementes que ajuda a preservar. “Essas são as sementes da resistência”, afirma.
Em seu banco de sementes particular, guardado com muito zelo, existem mais de 20 variedades de feijão, além de sementes de fava, melancia, maracujá, milho e de plantas nativas da região. Ele conta que seu avô e seu pai já guardavam as sementes com o intuito de preservar as características dos grãos mais bem adaptados à região semi-árida e também de ter um estoque de sementes para usar no ano seguinte.
Governo implanta 600 bancos – Com esse mesmo entendimento, o governo do Estado está implantando e fortalecendo 600 bancos comunitários de sementes em todas as regiões. “O objetivo é dar mais autonomia aos agricultores familiares e preservar as sementes crioulas”, salienta a diretora de Projetos Especiais da Secretaria de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário (Seagri), Cristina Cavalcante.
Segundo ela, o Programa de Desenvolvimento de Capacidades Locais conduzido pela Seagri também está capacitando os agricultores para implantação e gestão desses bancos de sementes. “As capacitações estão sendo feitas por seis entidades credenciadas, que já têm um trabalho nessa área”, ressalta Cristina Cavalcante. Uma dessas entidades é a Cooperativa dos Bancos Comunitários de Sementes (Coopabacs).
Além da implantação dos bancos de sementes, estão sendo criados 150 bancos comunitários de ferramentas. Cada banco possui 40 plantadeiras, 4 arados, peneiras, batedeiras de cereais e balanças. “Com capacitação de técnicos, agricultores, implantação dos bancos de sementes, de ferramentas, aquisição das ferramentas e gestão, estão sendo investidos R$ 4 milhões”, destaca a diretora Cristina Cavalcante.
Para o agricultor Sebastião Damasceno, que participa como entusiasta do banco comunitário de sementes, uma vez que ele possui o seu banco particular, a iniciativa do governo fortalece o trabalho dos agricultores. “Essas sementes resistem mais, agüentam mais a seca, a estiagem, não precisa usar agrotóxico. É bom pra o agricultor porque, quando chover, ele vai lá no banco e retira a quantidade que precisa pra plantar”, enfatizou.
Bancos de sementes – As unidades comunitárias para armazenamento e preservação de sementes apoiadas pelo governo do Estado utilizam silos de zinco, mas as sementes também podem ser guardadas em garrafas pets. “Tem que lavar bem as garrafas, depois secar. Quando colocar as sementes, que também devem estar bem secas, tem que fechar bem. Assim, elas resistem de dois a três anos”, ensina Sebastião Damasceno.
“A garrafa só deve ser aberta na hora de tirar as sementes pra plantar. Qualquer agricultor pode fazer isso, mas as sementes selecionadas devem ser as melhores”, lembra seu Sebastião, que além de preservar as sementes crioulas como um guardião, faz o reflorestamento da caatinga e repassa os valores sobre uso do solo e da natureza aos filhos e aos vizinhos.
Bancos de ferramentas – Na comunidade Laje dos Barbosa, na zona rural de Santana do Ipanema, já existe um dos bancos de ferramentas. “O kit de equipamentos é de fundamental importância para atender às pessoas que ainda não têm. Por isso, esperamos que no próximo ano a safra seja mais forte. As comunidades já estão se organizando para o plantio”, explica José Pedro Teodósio, presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável.
Para ele, o banco de ferramentas e o banco de sementes dão mais segurança ao agricultor, que vai usufruir desses bens de forma mais acessível e sem custo. “As sementes crioulas guardadas nos bancos são menos suscetíveis a pragas, são sementes mais rústicas, adaptadas. Isso melhora também a auto-estima do agricultor, a cidadania”, comenta José Pedro Teodósio.
De acordo com ele, uma plantadeira custa cerca R$ 50. “Com o banco de ferramentas, o agricultor já não vai ter esse custo, além de poder usar o arado e os outros itens”, explicou.