A nova terra do sol nascente

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Itacuruba – Televisão é ´um bicho` que Reginaldo Romão da Silva, 56 anos, pouco vê. Não tem paciência de ficar olhando tantas imagens e conversas. Homem da roça, ele guarda o tempo para o trabalho e para o descanso do corpo. Na última quinta-feira, foram 12 horas cortando madeira (algaroba) na Fazenda Jatinã, a cerca de 20 quilômetros do centro de Itacuruba, no Sertão pernambucano. E, entre uma conversa e outra, escutou que uma ´onda do mar arrasou o Japão` e que ali, na fazenda, podia ser instalada uma usina nuclear. ´Se essa tal de usina vem para essas bandas é porque é coisa boa. Se fosse ruim não vinha, né?`. Reginaldo desconhece o funcionamento e os riscos de acidentes, como agora ocorre no país asiático, de uma usina nuclear. Para o agricultor, o pior já ocorreu para o município. Foi a inundação da velha Itacuruba pelo lago da hidrelétrica de Itaparica, nos anos 80, que resultou no desaparecimento de terras agricultáveis e,consequentemente, o desmembramento de sua família. ´O que vier de emprego é bom`.

Parte da população de Itacuruba pensa como Reginaldo. Num município que depende basicamente da prefeitura, aposentadorias e programas sociais, moradores entendem que os empregos gerados por uma usina nuclear seriam oportunidades únicas para mudar o município. ´Tudo seria perfeito se não fosse a tal radioatividade`, afirmou a comerciária Josélia Maria de Sá, 26. Josélia confessou que, antes do acidente no Japão, andava tranquila com a possibilidade da instalação de uma usina nuclear na cidade.

Agora, está preocupada. Teme a repetição do caso de Fukushima, cidade japonesa onde está a usina nuclear com problemas. Sempre que pode, a comerciária assiste à TV para se inteirar das notícias no Japão, mas, enquanto permanece no trabalho,ouve comentários de todos os tipos. ´Disseram que um pingo do produto (urânio) usado na usina pode destruir Itacuruba`, repetia Aluzinete Maria da Silva Omena, 65. Diante desse cenário, Aluzinete prefere o desemprego ao risco de ´perder` os filhos e os netos num acidente.

´É lá na Jatinã`- Nos últimos meses, a possibilidade de instalação de uma usina nuclear em Itacuruba sempre foi vista como real pela população. Se perguntados, quase todos moradores apontam o local considerado adequado para se construir o empreendimento de orçamento bilionário. A estimativa de investimento: R$ 10 bilhões. ´É lá na Jatinã`, informa o repositor Gildo Almeira, 29.

A Jatinã, onde Reginaldo costuma cortar as algarobeiras que infestaram a área,é uma fazenda tomada pela caatinga e por um solo pobre para a agricultura. No terreno, as árvores pouco crescem devido aos maciços rochosos. ´Mas com esforço e vontade de trabalhar, aqui tudo dá. Pode crescer feijão, milho, legume`, assegura o agricultor.

O solo tido como pobre para a agricultura, na análise do prefeito Romero Magalhães Ledo (PSB), foi considerado ideal pela Eletronuclear, estatal responsável pelos estudos e pelas instalações de quatro novas usinas nucleares no Brasil. Duas delas serão no Nordeste. Além da característica do solo, explica o socialista, os técnicos avaliaram como pontos favoráveis a Itacuruba a proximidade do Rio São Francisco, o que atenderia exigências internacionais e facilitaria as operações de resfriamento dos reatores da usina, e a distância de áreas habitadas. Pelas normas técnicas, pede-se a distância de, pelo menos, 8 quilômetros de usina desse tipo para aglomerados urbanos.Em Itacuruba, a distância é de quase 20 quilômetros.

Não é essa distância que alimenta os debates e preocupa os moradores, sejam eles favoráveis ou contrários ao empreendimento nuclear. É a ausência de debates oficiais sobre o assunto no município. ´Num projeto como esse, há muita coisa a ser esclarecida à população. O que sabemos vem basicamente da imprensa, enquanto o governo federal pouco fala do assunto`, reclama a professora Jacqueline Maria da Silva, 27. A queixa recorrente é que uma decisão para se instalar a usina em Itacuruba venha de ´cima para baixo` e sem escutar os moradores.

Para moradores, pior já passou

Enquanto a escolha oficial do lugar para se construir a usina não ocorre, o prefeito Romero Magalhães escuta queixas e elogios da população sobre a possibilidade de Itacuruba receber a usina nuclear. ´A decisão do lugar é do governo federal. Não é da prefeitura`. Pessoalmente, o governante municipal é favorável à usina, mas como político lida cuidadosamente com o assunto. Prefere evitar aresta com os eleitores. No entanto, Romero não está parado. À frente da gestão desde 2005, a cidade já se muniu de legislação para receber o empreendimento nuclear caso a União opte por Itacuruba.

´Tecnicamente, somos o melhor sítio do Nordeste para receber uma usina nuclear`, define. O prefeito teve acesso aos relatórios da Eletronuclear e conversou com técnicos da empresa sempre que esses estiveram no Sertão do São Francisco, onde fica Itacuruba. A decisão agora, entende o socialista, terá caráter político. É esperar pela canetada da presidenta Dilma Roussseff (PT). Se Itacuruba for escolhida, a perspectiva da prefeitura émultiplicar o orçamento do município com os royalties. O município conta com orçamento anual de R$ 17 milhões. Com o funcionamento da usina, previsto para 2020, esse montante possivelmente seria por mês.

Enquanto as cifras milionárias e as possibilidades de empregos e de riscos nucleares são apenas perspectivas, os moradores de Itacuruba dizem preferir o pé no chão. Há praticamente unanimidade no município de que o pior momento já ocorreu. Na velha Itacuruba, inundada pelas águas do São Francisco, nos anos 1980, a população beirava os 20 mil habitantes. São apenas 4,4 mil atualmente. E cerca de 100 quilômetros quadrados de terras agricultáveis foram submersos pelas águas do Lago de Itaparica.

Com o desaparecimento das terras, famílias foram divididas. O agricultor Reginaldo Romão da Silva ficou no município, mas tios, irmãos, primos e o sogro partiram para outras cidades. Foram levados para projetos de agricultura da Chesf, estando alguns deles 500 quilômetros distante de Itacuruba. ´Era rico e não sabia. Perdemos a terra e a família. Hoje corto madeira. Nunca pensei que um dia fosse viver de cortar algaroba`.

O corte das algarobeiras é a principal fonte de sustento de Reginaldo, que tem cinco filhos. Para fazer o trabalho,ele percorre de bicicleta mais de 10 quilômetros de estrada de terra entre as fazendas Poço do Boi, onde mora, e a Jatinã. A rotina começa antes do sol nascer, às 4h30, e se estende até o fim da tarde. ´Para mim, os empregos da usina não servem. Já estou esperando o paletozão (mortalha). Quem sabe não sirva para os outros`, disse. Da Jatinã, ele diz se contentar com a terra e as algarobas

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