Projeto cria modelo de gestão com autonomia

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Feira em Totnes, no sudeste da Inglaterra: novo modelo de cidade inclui utilização de uma moeda própriaTudo aconteceu quase por acaso. O inglês Rob Hopkins era um dos professores de permacultura – construção de sistemas humanos sustentáveis – do Kinsale Further Education College, na Irlanda, e pediu a seus estudantes que o ajudassem na elaboração de uma estratégia que transformasse o pequeno município em um território livre da dependência do petróleo.

A “lição de casa” funcionou e inspirou a criação de um projeto cujo objetivo é construir cidades capazes de sobreviver a choques externos como a escassez de fontes de energia não renováveis, a carência de recursos hídricos, a crescente poluição atmosférica ou às oscilações dos preços de alimentos. A ideia agradou tanto que Kinsale transformou-se na primeira localidade a aplicar os conceitos de Hopkins ao modelo de gestão pública.

Hopkins transferiu-se para Totnes, no sudeste da Inglaterra, onde um grande esforço coletivo fez da cidade o melhor exemplo de “transition town”, cidades em transição. Juntos, os seus quase 8.500 habitantes iniciaram uma verdadeira revolução verde em nome da autossuficiência.

No livro “The Transition Hand Book – from oil dependency to local resilience”, Hopkins explica os 12 passos necessários para iniciar uma transição. Mas adverte que o processo deve ser único para cada cidade, de acordo com as peculiaridades, natureza organizacional e interesses locais.

Em Totnes, por exemplo, foram adotados diversos projetos para que a produção, distribuição e o consumo de recursos naturais e produtos alimentares se concentrassem localmente. Uma das iniciativas, o “garden share”, é baseado na criação de jardins e hortas para o plantio comunitário. Também foram incentivados o transporte público e o uso de bicicletas. Ocupações em extinção, como marcenaria e a costura, foram resgatadas e estimulou-se a criação de uma rede social entre vizinhos.

A mesma lógica segue o Resource Exchange Project, que prevê entre os comerciantes locais o intercâmbio de matérias-primas, imóveis, meios de transporte e mão de obra. Outra medida considerada inovadora foi a criação da Totnes Pound, a libra de Totnes, uma moeda local com valor idêntico à libra do Reino Unido, aceita em mais de 70 lojas que aderem ao projeto Transition Town. Além de incentivar o consumo de produtos locais e garantir empregos em Totnes, o objetivo das medidas é reduzir as emissões de CO2 que derivam transporte de mercadorias por veículos.

Tantas qualidades reunidas podem fazer com que a opinião pública veja Totnes como um lugar idílico e exemplar, onde o senso cívico prevalece entre as pessoas, mas, ao mesmo tempo, dotada de um estilo de vida dificilmente aplicável em outras partes do globo. Alguns números, no entanto, demonstram o contrário. Atualmente, mais de 131 bairros e cidades em 31 países do mundo transformaram-se em “transition towns”. A maior parte das iniciativas concentra-se no Reino Unido.

Reconstruir com essas iniciativas o paradigma do que é sociedade não é tarefa fácil, mas já é possível acreditar que possa ocorrer fora dos limites de pequenas comunidades. O periférico e degradado bairro de Brixton, em Londres, por exemplo, está tentando sensibilizar seus habitantes sobre a filosofia de uma cidade de transição. Assim como Totnes, também adotou a própria moeda, a chamada “Brixton Pound”, disponível em notas B£1, B£5, B£10 e B£20, impressas com a efígie de heróis locais como Vincent Van Gogh, morador do bairro durante a sua juventude.

Enquanto cresce o número de cidades de transição europeias, por enquanto, a única nação latino-americana que teve um projeto oficialmente reconhecido pela rede Transition Network é o Chile, com a chamada Ecoescuela El Manzano, uma comunidade de aprendizagem. No Brasil, em 2009 foram realizados alguns treinamentos em São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Espírito Santo e Rio de Janeiro mas, até agora, os núcleos de transição em solo nacional ainda são experimentais.

Para Ben Brangwyn, co-fundador da rede Transition Network, em um futuro próximo é possível imaginar a coexistência de globalização e economias locais. “O processo de transição requer tempo e, além disso, a crise energética tornará o processo de globalização inviável”, diz. “Se analisássemos a produção e o transporte de mercadorias em termos de energia investida, seria fácil considerar a globalização como algo absurdo”, avalia.

Brangwyn considera importante assinalar que a diferença entre comunidades sustentáveis e cidades de transição não está apenas na terminologia empregada para denominá-las. Em sua opinião, as primeiras vivem em uma espécie de bolha, longe de sua própria comunidade. As cidades de transição, por sua vez, são fortemente arraigadas ao seu território”.

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