Projeto Cisterna nas Escolas ajuda a diminuir evasão escolar no Semiárido

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É possível conviver de forma sustentável com o Semiárido? Um Projeto inovador executado no país está provando que sim. Fruto de uma ação desenvolvida pelo Centro de Assessoria do Assuruá (CAA), junto com a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), o ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), governos estaduais, entre outros, o Projeto Cisternas nas Escolas se insere nas iniciativas de convivência com o Semiárido e parte de questões e problemas existentes na região. “O problema básico é a falta de água potável em muitas escolas do Brasil e em especial no Semiárido, o que chega a inviabilizar o funcionamento das unidades e concretizar o desrespeito aos direitos das crianças e adolescentes”, afirma nesta entrevista o coordenador executivo da ASA no estado da Bahia e membro do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Naidison de Quintella Baptista.

Mobilizadores COEP – No que consiste o Projeto “Cisterna nas Escolas”? Quais seus objetivos e metas quantitativas ?

R.: O projeto Cisterna nas Escolas se insere nas iniciativas de convivência com o Semiárido e parte de questões e problemas existentes na região. O problema básico é a falta de água potável em muitas escolas do Brasil e em especial no Semiárido, o que chega a inviabilizar o funcionamento das unidades e concretizar o desrespeito aos direitos das crianças e adolescentes.

O que se pretende é que a cisterna seja um embrião de um processo sistemático e constante de abastecimento de água nas escolas, em respeito aos direitos das crianças e adolescentes. A partir das cisternas, há debates e experimentações de processos de educação contextualizada, levando para a escola o debate da convivência com o Semiárido.

Estamos trabalhando na perspectiva de construir em torno de 800 cisternas em escolas de todo o Semiárido, não se computando neste total a experiência piloto realizada na Bahia, através de uma parceria entre o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), a ASA e o governo estadual.

Mobilizadores COEP – Que entidades estão envolvidas na implantação da iniciativa e qual o papel de cada uma?

R.: Temos vários parceiros que cumprem diferentes funções para que o projeto seja colocado em prática. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), a Cooperação Espanhola [parceria entre os governos brasileiro e espanhol] e os governos estaduais são os parceiros na construção da proposta e seu financiamento; a ASA Brasil e suas entidades de base são responsáveis pela implementação e efetivação da proposta nas escolas e municípios; o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) é responsável pela assessoria técnica, gestação da proposta e elaboração e publicação de materiais didáticos juntamente com a ASA; o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) é responsável por inserir a questão nos processos de elaboração e acompanhamento de políticas públicas; e as prefeituras liberam as escolas e os professores para os processos de formação, além de assinarem protocolos de compromisso pela continuidade do abastecimento de água nas escolas.

Mobilizadores COEP – Por que decidiram implantar o projeto em escolas? De que forma os alunos e professores são envolvidos na iniciativa?

R.: A decisão de trabalhar com cisternas nas escolas é uma decorrência lógica da proposta de convivência com o Semiárido e das cisternas como um elemento central nesse contexto. Nada mais lógico, na leitura da ASA, do que construir cisterna nas escolas. Se a família está dotada de uma cisterna e, assim, tem acesso à água de qualidade, seria ilógico e inconsequente que a criança não tivesse acesso a esse direito na escola. É um desrespeito frontal aos direitos das crianças e adolescentes que as escolas não funcionem por falta de água.

Nas comunidades dispersas e difusas no Semiárido, a cisterna se coloca como bom instrumento de abastecimento de água. Mas, temos que ter a noção exata de seus limites, por isso, estimulamos o envolvimento das prefeituras, provocando-as na perspectiva de assumir o abastecimento na escola.

Os professores e alunos são chamados a acompanhar o processo da implantação e a zelar pelo bom uso das cisternas e, além disso, a trabalhar a educação contextualizada a partir das cisternas. Deste modo, todas as disciplinas podem ser trabalhadas a partir do tema água e cisternas e, assim, o debate sobre a convivência com o Semiárido entra na escola.

Mobilizadores COEP – O que é preciso para que uma escola participe da iniciativa?

R.: Basicamente, é necessário que a escola esteja na lista de uma pesquisa realizada pela Agência Nacional de Águas (ANA) e pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) que identificou no Brasil inteiro as escolas que não estão ligadas a sistemas de abastecimento de água. Alem disso, é necessário que a prefeitura assine um termo de compromisso com os seguintes itens:

a) A prefeitura deverá concordar que se sejam construídas cisternas nas escolas do município;

b) No caso da escola não possuir área suficiente para a construção, a prefeitura buscará identificar e viabilizar esse terreno;

c) A prefeitura e a secretaria municipal de Educação deverão concordar com a implementação gradativa de processos de educação contextualizada na escola;

d) A prefeitura ficará responsável pela continuidade do abastecimento da escola, uma vez que o volume de água armazenado nas cisternas – 52 mil litros – vai ser utilizado por centenas de crianças e deve ser reabastecido;

e) A prefeitura será responsável pela manutenção das cisternas e dos telhados das escolas.

Mobilizadores COEP – De que forma o projeto está sendo desenvolvido? Quais ações já foram postas em prática?

R.: Uma parte dos recursos foi liberada e o pessoal contratado. A partir daí começaram as capacitações dos coordenadores e agentes multiplicadores das organizações da ASA sobre a concepção do projeto e a importância da parceria com o poder público municipal e a escola. Foram também elaborados materiais didáticos e vídeos para o processo de formação dos professores, alunos e da comunidade sobre as cisternas, a conservação da água e a convivência com o Semiárido. Boa parte das prefeituras já foi contatada e seus gestores assinaram os termos de compromisso. Em muitos lugares já foram identificadas as escolas, comprados os materiais de construção e as cisternas começam a ser construídas. Foram iniciados, igualmente, os processos de formação dos professores.

Mobilizadores COEP – Como está sendo feito o controle social do projeto? As famílias dos alunos estão envolvidas?

R.: O projeto é debatido com as prefeituras e de igual modo com as comunidades onde as escolas estão inseridas. As famílias são informadas de todos os passos e existe uma comissão para acompanhamento do processo. Já a comunidade é responsável pelo funcionamento das cisternas e, mais do que isso, pelo reabastecimento constante desses reservatórios com água de qualidade.

Mobilizadores COEP – Como a falta de água potável afeta a segurança alimentar das crianças e interfere nos índices de evasão escolar no campo?

R.: Há muitas escolas com água de má qualidade e isso interfere na saúde, na alimentação, na vida das crianças e, consequentemente, no rendimento escolar. Alem disso, há muitas escolas que, por falta de água, nem funcionam. Já as crianças que têm acesso à água vivem uma situação diferente. Uma pesquisa realizada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) revela que as crianças e adolescentes que residem com famílias beneficiadas pelo Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) estão mais presentes às atividades escolares (7,5%) do que aquelas que não possuem cisterna em casa. Se essa tendência se confirmar, essas crianças permanecerão por um período maior na escola, obtendo um nível maior de escolaridade. Segundo dados da Pesquisa por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, na prática, um ano a mais de estudo, representa um incremento de R$ 94 na renda mensal ou de R$ 1.128 por ano.

Mobilizadores COEP – De que forma o debate sobre as mudanças climáticas é levado para dentro das escolas ?

R.: O debate sobre as mudanças climáticas é levado para as escolas, a partir dos processos de educação contextualizada. Os materiais didáticos provocam o debate sobre como eram as comunidades, por quais processos de depredação elas passaram, como o desmatamento e, a partir daí, como podem ser construídos outros processos que impeçam essas mudanças.

Mobilizadores COEP – Na sua opinião, qual deve ser o papel da escola na construção de políticas públicas para a sociedade?

R.: Acredito que a escola do Semiárido, com poucas experiências diferenciadas, é uma escola que diz ao aluno que se ele quiser ser bem sucedido na vida, não pode fazer como seus pais. Ou seja, ele tem que sair do Semiárido que é um lugar de morte e não de vida.

A escola, porém, pode cumprir outro papel. Ela não pode se dar ao luxo de caminhar na contramão daquilo que se constrói no Semiárido em termos de viabilização da região e respeito a sua cultura. Para isso, ela tem que inserir-se na realidade onde atua; ajudar as crianças e seus pais a conhecer melhor suas realidades e, principalmente, a construir conhecimento para mudar a realidade de injustiça em que se vive. Há, no Brasil, muitas experiências bem sucedidas nesse sentido, onde a partir de conhecimentos gerados pelas escolas e pelas crianças se interfere e se muda a realidade. Esta é a escola contextualizada que se quer para todo o Brasil.

Entrevista para o Grupo Promoção da Educação

Editada por: Eliane Araujo.

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