Pouco dinheiro, muita eficiência
O programa para construção de cisternas no semiárido, desenvolvido desde 2003 com o apoio do governo federal, é um exemplo clássico de que nem sempre é preciso gastar bilhões de reais para enfrentar problemas complexos e seculares como a falta de água no sertão nordestino. Os reservatórios de água, com capacidade de 16 mil litros, são construídos de casa em casa por pedreiros das localidades e pelas próprias famílias, que fazem a escavação e fornecem a areia e a água. O custo unitário fica perto de R$ 1,7 mil. A água aparada da chuva, a partir do escoamento do telhado das casas, sustenta uma família de cinco pessoas por até oito meses. Mas nem tudo vai bem no programa. Foram construídas cerca de 473 mil cisternas em sete anos do governo Luiz Inácio Lula da Silva, quando a meta era e continua sendo atender 1 milhão de famílias. Nesse ritmo, serão necessários mais dois mandatos presidenciais.
E nem todo o dinheiro investido saiu dos cofres do governo federal. Até agora, o governo petista investiu cerca de R$ 550 milhões no programa, o suficiente para construir 322 mil unidades. Muito pouco quando comparado com o projeto de Transposição do Rio São Francisco, avaliado em R$ 4,5 bilhões. E menos ainda do que o valor já investido no programa Bolsa Família no mesmo período – R$ 80 bilhões, em valores atualizados. As demais 150 mil cisternas foram construídas com recursos dos estados e da iniciativa privada.
Ao ser concluído, o programa estará atendendo cerca de 5 milhões de sertanejos. Nesta primeira etapa, a água coletada é suficiente para beber, cozinhar e escovar os dentes. Mas já está sendo iniciada uma segunda fase, com o programa Segunda Água, que visa a captação de água destinada à criação de pequenos animais e cultura de hortaliças, todos projetos com capacidade de geração de renda. Na fase demonstrativa, serão beneficiadas 800 famílias.
Em reportagem na Chapada do Araripe, no sertão de Pernambuco, tive a oportunidade de presenciar a chegada de um carro-pipa numa casa no interior do município de Santa Cruz. Foium evento. Não era para ser necessário esse socorro. Mas a água da chuva ainda era pouca, após mais uma longa estiagem. Pelo menos tinha onde guardar a água. Toda a família perfilou-se para acompanhar o abastecimento do reservatório. Não colocaram roupa nova porque não tinham. O brilho dos olhos daquelas crianças refletia um misto de alegria e esperança.
Seu Gildenor de Souza, que mantém 10 filhos com a produção de seis hectares, estava aliviado com a chegada do carro-pipa. ´A chuva foi pouca. De molhação foi boa, mas pra beber foi pouca`, comentou. Muitas vezes, a cisterna seca antes do tempo porque a família utiliza a água para dar de beber aos animais. O sertanejo pode passar sede, mas a cabritinha que fornece leite às crianças não passa.
Falta verba
Outro aspecto que chama a atenção no programa de nome esquisito, P1MC, ou um Milhão de Cisternas, é que ele não é do governo. Talvez isso explique a execução de um projeto tão complexo com tão poucos recursos, e sem a ocorrência de fraudes e desvios de dinheiro público. Ele é desenvolvido pela Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA), um fórum de organizações da sociedade civil criado em 1999. Hoje, são mais de 700 entidades ligadas a igrejas, associações de trabalhadores rurais e urbanos, sindicatos e federações.
Uma boa ajuda poderia vir das emendas dos deputados e senadores ao Orçamento da União. Mas eles parecem mais interessados em financiar projetos de desenvolvimento turístico, quadras esportivas, pavimentação de ruas. É claro que esses projetos são igualmente necessários, e as cisternas têm um inconveniente: pouca visibilidade. Ficam escondidas no quintal das casas lá nos grotões. Na verdade, não rendem nem placa de inauguração. No Orçamento deste ano, em execução, apenas sete emendas destinaram recursos para a construção de cisternas, no valor total de R$ 4,5 milhões. O dinheiro é suficiente para fazer só mais 2 mil unidades.
O relator-geral, deputado Geraldo Magela (PT-DF), destinou R$ 1,5 milhão para o programa. Mas reservou nove vezes mais recursos para a construção do anexo do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome na Esplanada do Ministério. Os R$ 13,5 milhões seriam suficientes para construir 6,7 mil cisternas. Ou seja, mais 33 mil pessoas que deixariam de passar sede.