Programa Um Milhão de Cisternas: guardando água para semear vida e colher cidadania
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Por Rafael Santos Neves, Jean Carlos de Andrade Medeiros, Sandra Maria Batista Silveira e Carlos Magno Medeiros Morais
A região semiárida do Brasil abrange uma área de 969.589,4 km2 que integra o território
de 1.133 municípios dos estados de alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e sergipe. sua população é estimada em 21 milhões de pessoas, o que corresponde a 11% da população brasileira, caracterizando-se como a região semiárida mais populosa do mundo. Ao longo dos séculos, prevaleceu no país a ideia de que o semiárido seria um lugar inóspito, sem possibilidades de desenvolvimento e fadado ao atraso.
Hoje em dia, está cada vez mais evidente que essa noção faz parte de uma ideologia falaciosa que tem sido útil para legitimar ações políticas desenhadas para favorecer a reprodução política de uma minoria elitista. Ainda que existam poucos rios perenes na faixa semiárida (asa, 2008), pode-se afirmar que há até certa abundância de água na região, já que a média pluviométrica anual é de 750 mm, o que caracteriza a região semiárida brasileira como a mais chuvosa do mundo. Apesar da ocorrência de chuvas em níveis satisfatórios, a distribuição das precipitações é irregular, tanto no tempo quanto no espaço. além disso, ocorre um período prolongado de estiagem, no qual as elevadas temperaturas provocam altos níveis de evaporação da água armazenada nas infraestruturas hídricas.
Uma análise renovada do contexto regional revela que não há falta de água do ponto de vista quantitativo, mas sim um acesso desigual que penaliza particularmente os mais pobres. Esse fenômeno foi caracterizado por Malvezzi (2007) como de escassez qualitativa – quando os mananciais hídricos estão degradados e as pessoas não podem acessá-lo – e escassez social – quando as águas são apropriadas pela iniciativa privada ou quando há insuficiência de políticas públicas que garantam a sua distribuição igualitária. a esse quadro articulam-se outras privações aos mais pobres: de terra, de sementes, de informações, de documentos, de acesso ao crédito, de tecnologias adequadas, de assistência técnica. Tais desigualdades na distribuição dos recursos produtivos se tornam particularmente evidentes nos períodos de seca, quando as famílias agricultoras não dispõem de estoques de água e alimentos para se manter produzindo. Os grandes proprietários de terra, por sua vez, contam com água suficiente para manter a produção, bem como reservas de ração para os animais mesmo nos períodos de seca (DUQUe; CiRNe, 1998).
O limitado acesso à água compromete a garantia de produção de alimentos, gerando impactos negativos na saúde das famílias, principalmente de crianças e mulheres, as principais responsáveis pela captação e gestão dos recursos hídricos nessas áreas. Compromete ainda a possibilidade de um exercício pleno da cidadania e da construção de uma vida autônoma para as famílias rurais. embora seja um bem público e um direito fundamental, a água é tratada como moeda de troca pelos mecanismos de dominação e centralização que controlam a sua oferta, afetando, assim, a própria democracia.
Seca não se combate, se convive
No âmbito dos debates sobre sustentabilidade que vêm se intensificando desde a década de 1990, movimentos sociais têm discutido a viabilidade do semiárido brasileiro. Como resultado, mobilizaram-se para defender a ideia de que é possível viver e produzir com dignidade na região. Foi nesse contexto que ações de pressão sobre o estado brasileiro passaram a ser realizadas por um conjunto amplo e diversificado de organizações da sociedade civil que acabou por se institucionalizar em 1999, com a criação da articulação no semiárido Brasileiro (ASA – Brasil).
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