Sistematização Comunicação Popular: rádios livres e comunitárias
No Baixo Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, a Cáritas Diocesana de Almenara desenvolve uma experiência de Comunicação Popular como estratégia para transformação social. O trabalho acontece desde 1998, com o objetivo de comunicar “para e com” a população camponesa e urbana desta região.
A região do Baixo Jequitinhonha corresponde à Diocese de Almenara e faz parte do semiárido mineiro. Ela possui 17 municípios, sendo todos com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) considerados entre os mais baixos do Brasil e do mundo. Historicamente, a região enfrenta grande desigualdade social, desrespeito aos direitos humanos e alto índice de concentração de terra.
Em muitos lugares do semiárido, o rádio é o único meio de comunicação que chega às famílias rurais. Através dela, as pessoas se comunicam entre si, com a comunidade, a cidade e a família.
Decanor Nunes é agente da Cáritas e faz parte da Articulação no Semiárido (ASA). Há alguns anos, ele trabalha como incentivador da comunicação popular na região. Ele afirma que as rádios locais, livres, comunitárias e das igrejas são veículos de comunicação com grande potencial, pois dialogam diretamente com as pessoas e transmitem uma comunicação produzida nas localidades, que fala a linguagem da população local.
A Cáritas Diocesana de Almenara tem se apropriado dessa importante ferramenta para comunicar com as pessoas que mais precisam de informação e formação. O trabalho com a democratização da comunicação é estratégico, usando a comunicação como instrumento para mudança social na região.
Para implantação de ações com as rádios populares, foi feito um projeto junto a Cáritas Regional Minas Gerais, com apoio da CRB (Cáritas Americana). Este projeto conseguiu recurso para compra de kits de transmissão, com transmissor, antena, cabo e equipamentos de áudio para 5 grupos, sendo 3 em comunidades rurais e 2 em áreas urbanas.
Decanor lembra que com a instalação de emissoras populares na região, eles buscaram parceria com 15 rádios de outros 10 municípios. Para isso, eles realizaram encontros de formação com os responsáveis pelas rádios e os comunicadores populares. Os temas de formação destes encontros sempre estiveram ligados à Reforma Agrária no Ar, rádio comunitária, linguagem em comunicação popular e camponesa, Semiárido e a comunicação e outros.
O trabalho continuou e a Cáritas passou a trabalhar com 3 formatos de instalação e gestão de rádios populares e comunitárias: rádio fixa na comunidade, rádio móvel nos assentamentos e acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a REMI (Rádio Educadora Móvel Institucional).
A instalação de uma rádio fixa na comunidade tem início com um convite para discutir a importância de uma emissora comunitária. Após essa discussão é instalada uma rádio, em que a própria comunidade faz todo o processo de gestão, como conteúdo político, musical, tipos de programas e outros.
Emílio é um jovem do Assentamento Campo Novo, no município de Jequitinhonha. No assentamento foi instalada uma rádio fixa. Ele conta que antes da instalação parecia que os meios de comunicação estavam isolados e eles não tinham direito de participar. Esse projeto da rádio deu uma amplitude de ver que eles também têm direito, vez e voz no país e isso encoraja pra ir à luta e cobrar os direitos.
Outro tipo de rádio popular trabalhada pela Cáritas é a rádio móvel nos assentamentos e acampamentos do MST. Ela também tem início com formação dos assentados e acampados. Depois disto, o MST, em parceria com a Cáritas, instala a emissora comunitária em algumas de suas áreas. Durante 3 meses a rádio permanece no local. Após este período, ela é repassada para outra área, que fica com a rádio pelo mesmo tempo.
Até o momento, 2 acampamentos e 3 assentamentos receberam a rádio móvel. O Assentamento Aruega, município de Novo Cruzeiro, foi um deles. Quando chegou o período da rádio ir para outra área, os assentados se organizaram e, junto com a Câmara Municipal, aprovaram um projeto para compra de um kit de transmissão radiofônica. O prefeito aprovou o projeto e hoje o assentamento tem seu próprio veículo de comunicação radiofônico.
A REMI (Rádio Educadora Móvel Institucional) é outro formato de rádio popular utilizada nos trabalhos da Cáritas. Ela é uma emissora que pertence à entidade, mas quando solicitada pelas comunidades rurais ou urbanas, é instalada nesta localidade. Antes da instalação, é feito um processo de formação e mobilização da comunidade, que assina um contrato junto à Cáritas, acordando que a rádio ficará instalada durante 3 meses e depois seguirá para outro grupo.
A finalidade da REMI é provocar o gosto pela comunicação radiofônica na comunidade. Se o grupo se interessar, instalará sua própria emissora com apoio da Cáritas e outras organizações. Até hoje, 5 comunidades, nos municípios de Monte Formoso e Jequitinhonha, receberam o projeto da REMI.
A Cáritas é parceira e apóia 18 emissoras de rádios livres e comunitárias de 17 municípios, incluindo algumas particulares e sem finalidade de organização comunitária. Ela produz materiais radiofônicos das mais variadas formas, como programas de rádio, spots, rádio dramas e outros, que são reproduzidos e enviados às rádios comunitárias, livres e rádios feiras. A entidade conseguiu uma aproximação com a emissora Rádio Santa Cruz de Jequitinhonha, ligada à igreja Católica, o que facilitou bastante estes trabalhos.
A Cáritas também desenvolve trabalhos com informativos impressos, como o Fique de Olho. Este jornal mensal é distribuído gratuitamente há 10 anos no Baixo Jequitinhonha, incentivando o controle social dos recursos públicos e contribuindo com a emancipação da população.
Decanor Nunes afirma que o processo de democratização da comunicação popular com a comunidade exercendo seu protagonismo é desafiante. Entre os principais desafios estão o acompanhamento e continuidade de formação com os comunicadores das rádios populares; a sustentabilidade das rádios comunitárias; a garantia de recurso para melhora da distribuição do Programa Vozes da Terra, produzido pela Cáritas; a luta pela mudança da legislação e pela legalização das rádios comunitárias.
A perspectiva para os próximos anos é continuar o fortalecimento da luta pela democratização desta comunicação. Quanto mais pessoas tiverem informação e quanto mais informação as pessoas tiverem, melhor será a sociedade e mais forte será sua base democrática e convivência com sua realidade, ou seja, o semiárido.