A degradação do Capibaribe
A ideia simplória de que o rio corre e leva a sujeira continua a fazer vítimas entre nós. Nenhum curso d’água que atravesse áreas urbanas está salvo do processo de degradação e morte. E entre todos o Capibaribe é emblemático. Há outros igualmente importantes para os pernambucanos, mas é este rio com 270 quilômetros de percurso, atravessando 42 municípios, que mais desperta as atenções para o crime que está sendo cometido, impunemente. São muitos os motivos que poderiam explicar sua distinção: de caráter histórico, econômico, estético, por compor a beleza da capital, como um cartão-postal, e por ter inspirado tantos dos nossos melhores poetas. Há poucos dias, um punhado de estudantes de ciências biológicas da Universidade de Pernambuco (UPE) expôs o outro lado, o que ele de pior representa, pela ação das pessoas, sem qualquer consequência aparente: num gesto simbólico, os estudantes retiraram algumas centenas de quilos de detritos sólidos do Capibaribe. Uma forma de mostrar o outro lado da ação predatória que todos deveriam assumir.
O ato educativo – modesto, pois poderiam ter sido retiradas milhares de toneladas de lixo – ganhou espaço na mídia, provavelmente ocupou as atenções de muitos pernambucanos por alguns instantes, mas dificilmente terá alcançado o que deve ser o objetivo de todo ato em defesa do Capibaribe e todos os rios pernambucanos: escandalizar, levar à radicalização do clamor público, pois, de outra forma, vamos continuar a fazer registros como este, enquanto o rio agoniza.
São incontáveis os atos destinados a alertar a sociedade para a necessidade de preservar o rio pelo que ele representa para a vida de todos. Transformado em fossa a céu aberto, depósito de despejos industriais ou lixeira de grandes áreas urbanas, a morte do rio vai sendo anunciada, primeiro com o fim do oxigênio e a da vida que ele abrigava, os peixes, tirando o sustento dos pescadores, depois, vai se tornando intolerável pelo mau cheiro e se transforma em agressão ambiental por onde passa, até um dia virar grandes poças sujas.
Não faz muito tempo, o Capibaribe amargava a fama de rio vermelho, a cor que adotava ao receber os despejos do matadouro público de Santa Cruz do Capibaribe. De outro lado, era o rio azul, por receber despejos de uma indústria de jeans. E diante da profusão de esgotos sanitários ligados ao rio em todo seu percurso urbano, pouco falta para também receber a denominação de “Grande Fedor”, como aconteceu com o Tâmisa na segunda metade do século 19. Aquele grande rio chegou a suspender sessões do Parlamento da Inglaterra por causa do seu mau cheiro.
O consolo? Quem sabe um dia teremos determinação política suficiente para fazer o que os ingleses fizeram: construíram um sistema de captação de esgotos que não apenas despoluiu seu grande rio como imediatamente melhorou a saúde das populações, que vinham sendo agredidas por epidemias de cólera. A lembrar, ainda, que na primeira metade do século 20 o Tâmisa voltou a ser agredido com o aumento das populações urbanas e somente a partir dos anos 50 se chegou à medicação ideal com estações de tratamento e a água voltou a dar abrigo ao salmão, o peixe mais exigente de oxigênio.
Esse modelo foi exposto no Recife por técnicos ingleses que aqui vieram na década de 90. Viram, estudaram, tiveram seus momentos de espanto com o nível de degradação do rio e da sua complexa restauração, mas deixaram indicações de que isso seria possível. Entretanto, a contar com a recorrência de movimentos como o dos estudantes de ciências biológicas da UPE, e considerando que de dois em dois anos temos eleições que permitem a repetição de promessas que podem muito bem ficar apenas como efeitos especiais de campanha, fica difícil imaginar que as gerações de hoje e futuras possam vir a encontrar motivos de inspiração poética em nosso Capibaribe.