Vereador divide-se entre a Câmara e a enxada
Vereador divide-se entre a Câmara e a enxada Cinco horas da manhã de uma sexta-feira. Antônio Joaquim de Andrade põe a enxada nas costas e segue na direção da roça, a algumas léguas da casa onde mora. Não demora muito e o sol começa a esquentar, tostando ainda mais a pele do agricultor que planta milho e feijão, cuida de 70 cabeças de bode e 15 de gado. Chapéu de palha na cabeça, camisa aberta no peito e velhos sapatos de borracha, Antônio Chico, como é conhecido, deixa a lavoura de lado por uns momentos e vai até a frente da capelinha de Santo Antônio. Lá, junta-se às pessoas da comunidade e começa a colocar pedras para construção da calçada em torno da igreja. Já é quase meio-dia. Antônio Chico deixa para trás as tarefas rurais e prepara-se para desempenhar um terceiro papel. Além de agricultor e líder comunitário, é também vereador pelo PSB, em Carnaíba, a 411 quilômetros do Recife. E com um detalhe: mal sabe assinar o nome.
Ex-retirante fugido da seca, Antônio Chico não vê diferença entre o trabalho na Câmara e a lida diária e estafante da roça Foto: Fotos: Sebastiao Araujo/Especial para o DP/D.A Press
A conversa com Antônio Chico começou debaixo de um juazeiro ao lado da casa dele.Uma casa simples, com uma sala ampla, praticamente sem mobília e que nem água encanada tem. Num linguajar fluente, o vereador-agricultor vai falando sobre a trajetória pessoal e política. Era início dos anos 70, quando ele, casado e com três filhos pequenos, resolveu fugir da seca, tentando a vida em Brasília. Só aguentou onze meses. A saudade da família falou mais alto e forte. Na volta, foi trabalhar nas frentes de trabalho montadas pelo governo do estado para construção da PE-320, que corta toda a região do Pajeú.
Foi quando caiu nas graças do então prefeito de Carnaíba, Manoel Teotônio do Nascimento, o Manoel de Louro, de quem se tornou amigo. O prefeito viu nele um líder nato, a julgar pelo trabalho que vinha desenvolvendo na comunidade Santo Antônio 3. Manoel de Louro não teve dúvidas: chamou Antônio Chico num canto e propôs que se candidatasse a vereador. “Eu quis desistir, mas ele insistiu tanto que não tive outro jeito”, recorda o agricultor. Perdeu feio a eleição, mas não deixou de continuar ajudando as pessoas da sua comunidade.
Antônio Chico sempre bateu na porta da prefeitura e das secretarias municipais. Ora pedindo uma ambulância para socorrer algum vizinho, ora reivindicando a construção de uma escola na região em torno da comunidade Santo Antônio. Surgiu, então, outra eleição e, mais uma vez, a derrota. A essa altura, Antônio Chico já havia tomado gosto pela política e não quis mais parar. “Ele é muito cabeçudo. Quando coloca uma coisa na cabeça não tem quem tire”, diz a esposa Josefa da Silva Andrade, 63.
Em nome da política, ele já chegou a gastar todo o dinheiro de uma safra de milho e feijão, culturas que cultiva até hoje. “Teve uma época que fiquei apenas com um jumento e duas parelhas de cachorro”, recorda, sem nenhum tom de brincadeira.
Em 94, candidatou-se novamente a vereador e mais uma vez amargou uma derrota nas urnas. Somente na última eleição, em 2008, conseguiu vencer. “Uns diziam para parar de tentar. Já outros falavam que um dia chegaria lá”, conta. “Mas lá dentro de mim eu tinhao entusiasmo de que um dia dava certo. Para tudo no mundo tem o dia, a hora e o momento de acontecer”.
Depois de dois anos como vereador Antônio Chico diz que não conseguiu comprar sequer uma bicicleta. Os R$ 2.747,00 de salário são gastos em ajuda à comunidade e eleitores. “Outro dia tivemos que andar mais de um quilômetro para ir numa novena porque pai, nem uma fubica velha tem”, critica o filho Manoel Noé de Andrade, 34. “Antônio é assim mesmo. Quando a gente precisa, ele está junto”, elogia o amigo Lourival Joaquim de Andrade, 60.
As doações que costuma fazer vão de remédio à dentadura. “Nunca neguei nada para ninguém. Sempre que posso dou um jeitinho”, revela o vereador. Lugar fixo para atender quem o procura, ele não tem. Tanto atende no meio da roça como no pequeno gabinete na Câmara Municipal de Carnaíba. “Nunca deixo ninguém sem resposta. Quebro um galho daqui e outro dali”.
Aos 64 anos, aposentado como agricultor, fala que nesses dois anos de mandato, “o poder ainda não subiu à cabeça”. Com o que ganha como aposentado procura ajudar aos sete filhos e 12 netos, e investir nos animais que cria. Católico, já foi seis vezes ao Juazeiro do Norte, no Ceará, pagar promessa a Padre Cícero. Em todas foi a pé, caminhando durante sete dias. “Eu já fazia a romaria antes de ser candidato”, faz questão de destacar. Apesar de ser criticado pelos filhos por ser “bom demais para os outros”, Antônio Chico se sente feliz pela missão que desempenha. “Um dia vão lembrar o que fiz, porque vou deixar uma história”.
Entrevista // Antônio Chico
“Ajudar ao povo foi dom dado por Deus”
O senhor tem outras pretensões como político? Pretende chegar a prefeito?
Foto: Sebastiao Araujo/Especial para o DP/D.A Press
Já houve proposta, mas acredito que em tom de brincadeira. Porém, nunca se sabe. O povo é quem vai levando e a gente não sabe aonde chega. Mas não me vejo como prefeito. Não posso dar conta. Não sei ler, não tenho experiência… Ficar manobrado pelos outros é que não quero.
Por que o senhor insistiu tanto em ser vereador?
Para ajudar ao meu povo. O que posso fazer, faço pela minha comunidade. Tanto é que atendo umas 50 pessoas por mês e a minha casa é aberta a todos. Ajudar ao povo que precisa foi uma missão dada por Deus.
Quando chegou à Câmara, o senhor foi bem recebido pelos demais vereadores ou houve alguma reação pelo fato de ser analfabeto?
Fui recebido muito bem. Não houve discriminação.
O fato de não saber ler não prejudica o exercício do mandato?
Não. Viajei muito como líder comunitário e fui aprendendo as coisas na vida. Vou a todas as reuniões na Câmara e sei apontar o que está certo e o que está errado.
Tem algum político que o senhor admira?
O prefeito da minha cidade, Anchieta Patriota. Temos que tirar o chapéu para ele. O governador Eduardo Campos também é um homem de visão. Acompanhei durante muito tempo o avô dele, Miguel Arraes, que fez muito pelo pobre, pelo homem do campo. O neto, Eduardo, está no mesmo caminho.
História lembra a de políticos famosos
Por coincidência ou não a história de vida de Antonio Chico tem semelhanças com a de outros políticos de projeção nacional. Ninguém menos do que a atual candidata à Presidência da República pelo PV, a ex-seringueira Marina Silva, e, até mesmo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A candidata do PV também veio da roça e somente aprendeu a ler e escrever aos 16 anos. Ela nasceu em meio ao seringal de Bagaço, perto de Rio Branco, no Acre. Aos dez anos ela começou a trabalhar no seringal para pagar dívidas da família contraídas com ex-empregadores. Ao longo de sua vida, Marina teve diversos problemas de saúde. Seu primeiro emprego foi como empregada doméstica. Seu plano inicial era ser freira, mas esse projeto acabou sendo abandonado. Decidiu estudar História, formando-se em 1984, aos 26 anos.
Começou sua carreira política em 1984, como vice-coordenadora da CUT no Acre. Em 1988 foi eleita a vereadora mais votada de Rio Branco. Em 1990, foi eleita deputada estadual, novamente a mais votada. Em 1994, conseguiuuma cadeira no Senado, aos 36 anos, tendo sido reeleita em 2002. Foi nomeada ministra do Meio Ambiente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro de 2003, deixando o ministério em maio de 2008.
A história de Antonio Chico lembra também a do pernambucano Luiz Inácio Lula da Silva, nascido em Caetés, filho de agricultores, que teve uma vida difícil, foi líder sindicalista e por cinco vezes candidatou-se à Presidência da República, ganhando apenas na última.