Tecnologias de convivência mudam paisagem no sertão

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Em suas viagens, o folclorista cearense Gustavo Barroso anotou a fala de um sertanejo sobre a seca: “Doutor, a terra é boa! O Céu é que não presta!”. Hoje, a perspectiva de convivência com o semiárido é outra: vencer a irregularidade climática e garantir o abastecimento o ano todo, a partir de tecnologias que permitam potencializar a água para consumo e produção.

Tecnologias como a cisterna de placa e o Projeto Mandala evitam que as pessoas tenham que percorrer longas distâncias para obter água, muitas vezes de baixa qualidade. Ou que vejam seus plantios e animais morrerem por falta de irrigação.

O programa de formação e mobilização social para convivência com o semiárido inclui a cisterna como um elemento do programa. A grande questão desse projeto é chamar a atenção da população de que ela pode viver bem, desde que consiga acessar tecnologias. O programa tem componentes de mobilização, com uma comissão do município, formada pelo poder público e sociedade civil, que verifica os locais mais carentes para implantação das novas cisternas. A entidade gestora faz o cadastro do beneficiário, que também recebe uma capacitação na área de recursos hídricos, mostrando o que é o semiárido, os cuidados com as cisternas, o meio ambiente e conquista da cidadania para o homem do campo.

A meta proposta das cisternas de placas de 16 mil litros é atender famílias de até cinco pessoas em até 8 meses. Isso para necessidades como beber e preparar alimentos e fazer higiene básica. Com essa água, as pessoas não vão necessitar pegar nos barreiros água sem procedência. Os principais responsáveis por captar água para as casas são as mulheres e crianças. Com o acesso às novas formas de captação as mulheres passaram a ter mais tempo para os filhos. As crianças brincam mais e estudam e a mulher passa a ter mais tempo para ela e os filhos. A cisterna provocou nas comunidades uma mudança de vida e até de auto-estima.

Uso sustentável

No distrito de Piedade, a 18km de Paramoti, um exemplo de como a cisterna pode fazer a diferença. Na casa da agricultora Juliana Sousa Gomes, a cisterna é tratada com todo carinho e cuidado. Com água acumulada da chuva de 2009 e um pouco de 2010, ela e o marido já tiraram a calha do telhado e o cano de ligação com cisterna. “É para não entrar folha ou coisa que pode sujar”, explica Juliana.

A bomba manual que a agricultora usa para puxar a água é protegida com um balde, para evitar que os canos ressequem. De lá ela tira uma água límpida, que dá gosto de ver. “Como só tem eu, meu marido e um menino, acredito que a água que tem aqui vai dar bem até a próxima chuva”, calcula.

Oásis no sertão

No Projeto Mandala, há um bom exemplo nos Inhamuns, uma das regiões mais secas do Estado. Em Algodão, a 24km de Quiterianópolis, a comunidade mantem um plantio em mandala. Antônio Saraiva Leandro, ou seu Bitonho, é quem mostra o contraste entre a horta, sortida e verde, e a secura da roça perdida de milho, ao lado.

Presidente da Associação Comunitária Francisco Martins Mota, ele explica que a mandala atende a 16 famílias. “Pelejamos junto a Ematerce para conseguir o material e a orientação do manejo. Este ano houve uma chuva forte aqui a acabou com tudo, tivemos que refazer em junho, mas olha como já está”.

A horta dá alecrim, alface, cheiro verde, pimentão, mamão, banana e até eucalipto. A água para a lagoa de tilápia e irrigação vem por uma adutora, “melhor do que a que a gente bebe”, ressalta seu Bitonho. As famílias vendem os produtos nas feiras de Parambu, Tauá, Quiterianópolis e Pimenteiras (PI), além de fornecerem gêneros para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

P1MC

Até o dia 31 de agosto de 2010, um total de 294.949 cisternas haviam sido concluídas no semiárido brasileiro pelo Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC), iniciado em 2000. Isso significa (considerando uma média de cinco pessoas por família) dar acesso a água em domicílio para 1.474.745 pessoas.

No Ceará, 37.786 cisternas foram construídas até a mesma data, o que resulta em uma capacidade de armazenamento da ordem de 604.576 metros cúbicos de água, atendendo em média 188.930 cearenses.

Segundo Elzira Saraiva, do Centro de Pesquisa e Assessoria Esplar, o P1MC é um programa, e não uma política pública. “Ainda não temos uma lei que diga que o Estado Brasileiro tem que construir uma cisterna em cada casa de pessoas que vivem em áreas dispersas no semiárido. Sem a lei, também não há dotação obrigatória no Orçamento da União. Os recursos são disputados ano a ano com outras atividades”.

Milagre da água

Presidente da Associação Comunitária Francisco Martins Mota, seu Bitonho, como é mais conhecido, lutou junto com a comunidade de Algodão para conseguir realizar o sonho de ter uma mandala. “Aqui a gente mesmo se surpreende porque a terra daqui é ruim de e dá tudo isso. Cada família tira cerca de R$ 120,00 por mês com as verduras daqui”.

Leia abaixo as outras reportagens do caderno Especial:

Semiárido em transição

Comunidade cria nova cisterna

Um oásis no meio do sertão

Vencer aridez é desafio para as comunidades

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