A Contribuição das Mulheres para a Segurança Alimentar e Nutricional
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O dia 8 de março, por razões históricas, é uma data dedicada à reflexão da situação das mulheres e da sua importância em todo o processo civilizatório. Também dedicado ao combate às discriminações ainda existentes, que excluem as mulheres dos espaços decisórios, do acesso ao conhecimento, à formação e, consequentemente, do emprego e dos salários ou rendimentos justos e seguros que garantam seu auto-sustento e de seus dependentes.
Através de lutas, esforços e embates, muitas vezes organizadas nos movimentos feministas, as mulheres conquistaram muitos avanços em termos de inclusão social. Porém, ainda há muito a ser conquistado, especialmente no que se refere ao acesso aos espaços de poder e à participação na distribuição de riquezas, boa parte gerada por elas.
As mulheres constituem mais de 50% da população do planeta. O mesmo dado se repete no Brasil. Lembrando que progressivamente elas vem assumindo o sustento das famílias, em alguns lugares chegam a ser a maioria. É quase um lugar-comum dizer que as mulheres contribuem de forma determinante para o desenvolvimento econômico e social. Se focalizarmos as classes de menores rendas e grupos étnico-raciais específicos, como os negros, por exemplo, esse fenômeno fica ainda mais evidente.
Sua contribuição para a segurança alimentar e nutricional das pessoas é inestimável. Desde sua condição biológica, pela capacidade de amamentar, passando pelo provimento e manejo alimentar nos domicílios, pela administração dos curtos orçamentos domésticos, até a produção de alimentos para o conjunto da população.
No caso da agricultura, por exemplo, são elas as responsáveis por parte significativa dos alimentos consumidos na família: as hortas, os pequenos animais, as plantas medicinais. Muitas vezes esse trabalho não é valorizado nem reconhecido. Seus conhecimentos quanto à transformação dos alimentos, conservação, aproveitamento, cuidados com a saúde, são dados como algo natural, e não como uma capacidade que deva ser reconhecida. Esses produtos muitas vezes são fundamentais para melhorar a renda nas famílias, seja por sua comercialização, seja pela economia que se faz ao se deixar de comprá-los. Por outro lado, preservam a biodiversidade, mostrando que é possível uma forma de agricultura não predatória com relação ao meio ambiente.
As mulheres têm sido agentes que animam a dinâmica da cultura alimentar, no que concerne à transmissão de hábitos, de receitas e prescrições alimentares, através de gerações.
Toda essa imensa contribuição que as mulheres prestam à sociedade não é revelada, não é remunerada, não é valorizada e nem reconhecida. Vivemos ainda em uma sociedade patriarcal e machista, que impõe que esse trabalho seja prestado pelas mulheres de forma gratuita, como uma doação compulsória, pelo simples fato de se ter nascido mulher. O trabalho gratuito das mulheres para com o cuidado das pessoas é o que garante a eficiência do mercado capitalista, que só contabiliza como bens econômicos o que é transacionado monetariamente.
O lugar masculino nesse cenário é bem outro. No meio rural, por exemplo, são considerados os “produtores”, enquanto as mulheres são apenas “ajudantes”. Outro exemplo pode ser observado na alta gastronomia: as mulheres são cozinheiras, ocupam funções secundárias, auxiliares; ao passo que os homens ocupam lugar de destaque. São os chefes, garotos propaganda de suas receitas, recebendo por isso prestígio e remuneração diferenciada. São contradições que há muito tempo vem sendo denunciadas pelos movimentos de mulheres; que apontam injustiças e formas desiguais de tratamento, vistas como “naturais” em nossa sociedade, mas que evidenciam os preconceitos.
Enquanto aceitarmos essas situações como normais, estaremos excluindo parte significativa das mulheres das possibilidades de crescimento pessoal e profissional. São necessárias políticas específicas que criem as condições para amenizar a carga de trabalho que recai sobre as mulheres com relação às tarefas da alimentação, ao mesmo tempo em que se questiona, socialmente, a divisão sexual do trabalho, para que esta não permaneça como uma exclusividade feminina. Criar equipamentos sociais de apoio, como restaurantes públicos e lavanderias coletivas; políticas de abastecimento que permitam o acesso a alimentos limpos, saudáveis e econômicos para toda a população; creches, escolas de turno integral, sincronicidade das férias escolares com as férias trabalhistas; e políticas de apoio à maternidade segura e atenção aos direitos reprodutivos são algumas dessas medidas. É necessário conceber uma nova sociedade onde a gerência domiciliar seja responsabilidade compartilhada entre mulheres e homens, e apoiada pelo Estado e pelo conjunto das instituições sociais.
Muito se têm se falado sobre as mudanças nos hábitos alimentares das famílias devido à entrada das mulheres no mercado de trabalho. Enfoca-se, em particular, o aumento do uso de alimentos industrializados e de refeições prontas, tendo como conseqüências a diminuição da qualidade nutricional da dieta, pelo aumento do consumo de produtos carregados em açúcar, sal, gorduras saturadas, carboidratos simples. Esse tipo de alimentação, somado à falta de exercícios físicos induz ao aumento da incidência de sobre-peso, de doenças não transmissíveis como diabetes, dislipidemias, hipertensão, cânceres, atrites, cardiopatias e tantas outras doenças causadas por práticas alimentares inadequadas e relacionadas com o estilo de vida moderno.
Certamente são reflexões importantes do ponto de vista da saúde pública. Porém, é preciso analisar o conjunto de fatores que levaram a essa situação. As soluções não passam por uma volta ao passado, em que a única opção de vida para as mulheres era permanecer nos lares fazendo comida e cuidando dos demais. A promoção da segurança alimentar e nutricional requer necessariamente igualdade econômica, social e cultural entre mulheres e homens para que juntos, lado a lado, possam construir uma nova sociedade.
“Juntos seremos melhores”, e comeremos melhor.
Regina Miranda é nutricionista, presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar do Rio Grande do Sul (Consea-RS), integrante da ONG Maria Mulher e conselheira do Consea nacional.
Emma Siliprandi é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Alimentação (NEPA) / Universidade estadual de Campinas (Unicamp), engenheira agrônoma, mestre em Sociologia, doutora em Desenvolvimento Sustentável e especialista em Política Agrícola e Economia Agroalimentar.