“Muita gente no Brasil ainda tem uma visão de que os recursos naturais são inesgotáveis”
Num momento em que os chefes de 192 nações discutem estratégias contra o aquecimento global, em Copenhague, na Dinamarca, Paulo Pedro, Ponto Focal Nacional da Sociedade Civil no Combate à Desertificação e membro do Grupo de Trabalho de Combate à Desertificação (GTCD) da ASA, faz uma avaliação das políticas ambientais do governo brasileiro. Na entrevista concedida à jornalista Gleiceani Nogueira, da Assessoria de Comunicação da ASA (ASACom), ele também cita os impactos das mudanças climáticas no Semiárido e fala das alternativas que vêm sendo desenvolvidas pelas famílias da região para enfrentar a desertificação. Paulo Pedro também ressalta a contribuição da ASA na construção de um modelo de desenvolvimento sustentável. Confira a entrevista!
ASACom – Como você avalia as políticas ambientais do governo brasileiro?
Paulo Pedro – Em termos de planos, eventos e algumas leis voltadas para a questão ambiental, o governo federal e os estados têm feito muita coisa. Mas em termos efetivos, com ações concretas junto às diferentes comunidades, tanto rurais quanto urbanas, assim como juntos aos setores empresariais, pouca coisa tem sido realizada. Há um esforço divulgado amplamente de redução do desmatamento, especialmente na Amazônia, mas os resultados são tímidos. O Plano de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-Brasil) foi lançado no início de 2005, mas somente em 2007 é que aparece algo explícito para o combate à desertificação no PPA [Plano Plurianual] do governo federal. Mesmo assim, pouca coisa chegou a ser realizada concretamente até então : a Política Nacional de Combate à Desertificação (PNCD) já está há um bom tempo no Congresso, mas nenhum sinal de que a mesma será votada em curto prazo; a PEC Caatinga e Cerrado, reconhecendo estes biomas como patrimônio nacional na Constituição Federal de 1988, a exemplo dos demais biomas brasileiros, está na mesma situação; o Programa de Revitalização do Rio São Francisco se arrasta a “passos de tartaruga”, por outro lado, o polêmico Projeto de Transposição está sendo executado em ritmo acelerado. Em síntese, o que vejo é que o foco das políticas ainda não está voltado para um modelo de desenvolvimento alicerçado em bases sustentáveis. Ainda são priorizados os aspectos meramente econômicos, em detrimento de questões ambientais, sociais e culturais. Muita gente no Brasil ainda tem uma visão de que os recursos naturais são inesgotáveis, que é preciso desmatar permanentemente para promover o “desenvolvimento” e que as ameaças anunciadas são meras posturas alarmistas e preservacionistas dos ambientalistas.
ASACom – Estudos revelam que o Semiárido é a região do Brasil que mais vai sofrer com o aumento das temperaturas. O que já acontece e ainda pode acontecer na região devido ao aquecimento global?
Paulo Pedro – Hoje, as populações dos diferentes territórios do Semiárido brasileiro já percebem com clareza os efeitos das mudanças no clima, como o aumento da temperatura, tanto na intensidade quanto no tempo. O sentimento geral do povo do Semiárido é que os dias estão cada vez mais quentes, assim como a quantidade de dias quentes por ano também é visivelmente maior. Por outro lado, o período chuvoso está ficando historicamente mais curto na maior parte da região. As terras férteis estão perdendo sua capacidade produtiva e a biodiversidade da Caatinga está, constantemente, sendo destruída com muitas espécies já ameaçadas de extinção e algumas já totalmente extintas. As previsões atuais dos impactos das mudanças climáticas no Semiárido brasileiro são de assustar. Uma pesquisa recente coordenada pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pela Fundação Osvaldo Cruz (FIOCRUZ) denominada “Mudanças Climáticas, Migrações e Saúde: Cenários para o Nordeste Brasileiro – 2000 a 2050”, levantou algumas das principais conseqüências sociais e econômicas das mudanças climáticas sobre a região nas próximas décadas: queda de 11,4% na taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Nordeste; redução drástica das terras cultiváveis da região, chegando a 79,6% no Ceará, 70,1% no Piauí, 66,6% na Paraíba e 64,9% em Pernambuco; aumento de até 24% na taxa de migração das populações das áreas mais carentes para os grandes centros urbanos do Nordeste e de outras regiões entre os anos de 2030 a 2050; maior suscetibilidade a casos de desnutrição e mortalidade infantil, especialmente nos estados do Maranhão, Alagoas e Sergipe; agravamento das doenças crônico-degenerativas em idosos, prevendo-se a elevação dos gastos com saúde na ordem dos R$ 1,43 bilhão no ano de 2040; além de maior ocorrências de doenças características de populações pobres, tais como esquistossomose, leishmaniose tegumentar e visceral, leptospirose, especialmente nos estados do Maranhão, Ceará, Pernambuco e Sergipe.
ASACom – Qual a relação da desertificação com as mudanças climáticas?
Paulo Pedro – A desertificação contribui diretamente para as mudanças climáticas e vice-versa. A diferença é que a desertificação está ligada somente às áreas áridas, semiáridas e sub-úmidas secas. Já as mudanças climáticas acontecem em todo o planeta. Então a gente pode dizer que a desertificação está contida nas mudanças climáticas, acontece em uma parte de territórios onde chove pouco e as temperaturas são elevadas. A degradação dessas áreas termina desequilibrando os ecossistemas devido, principalmente, à falta de água que é a base fundamental da vida. A retirada da vegetação também interfere na temperatura e na quantidade de chuvas na região. Combatendo a desertificação também estamos contribuindo com a diminuição dos efeitos do aquecimento global já que os principais fatores que provocam esse fenômeno são o desmatamento, a queimada das florestas e a queima dos combustíveis fósseis.
ASACom – A desertificação é um problema que já atinge alguns lugares do Semiárido. De que forma ela vem sendo enfrentada tanto pelas famílias como pelo governo?
Paulo Pedro – Algumas famílias e comunidades têm mudado sua lógica de trabalhar com a terra e demais recursos naturais, apoiadas por ONGs e movimentos sociais que vêm atuando, de forma ativa e crescente, na promoção do desenvolvimento sustentável, a partir de uma base agroecológica, construindo conhecimentos e capacidades concretas para uma convivência digna e sustentável nas condições de semiaridez. Atualmente, já são milhares de famílias espalhadas por diferentes territórios do Semiárido com experiências consolidadas em seus sistemas de produção, em bases sustentáveis, garantindo qualidade de vida, segurança hídrica e alimentar, soberania alimentar, qualidade ambiental e melhoria na renda. O Programa de Mobilização e Formação Social para Convivência com o Semiárido (P1MC e P1+2) da ASA [Articulação no Semi-Árido Brasileiro], que conta com apoio do governo federal, é também um ótimo exemplo de ação focada na criação e implementação de ações de convivência sustentável com o Semiárido. As organizações que fazem a ASA e a ANA [Articulação Nacional de Agroecologia] são exemplos de movimentos fortes de promoção de meios de vida sustentáveis e participação nos espaços de definição e acompanhamento de políticas públicas. Com a força desses movimentos, os governos começam a dar sinais, mesmo que ainda muito tímidos, na adoção de programas, políticas e ações focadas no desenvolvimento sustentável. A exemplo do PAN-Brasil, que foi construído com a participação ativa das organizações da sociedade civil, tendo a ASA como protagonista forte neste processo e no processo atual de construção dos PAEs [Planos Estaduais de Combate à Desertificação] nos 11 estados das Áreas Suscetíveis à Desertificação no Brasil. Já há, atualmente, alguns pequenos projetos de apoio a iniciativas locais de promoção da agroecologia e combate à desertificação, financiados pelo MMA [Ministério do Meio Ambiente] em parceria com a Cooperação Alemã (GTZ e DED) e a ASA. Mas, é preciso mais pressão e força política da sociedade para que os governos ampliem e deem prioridade a programas e ações que, concretamente, alcancem resultados amplos e crescentes no desenvolvimento sustentável e combate à desertificação.
ASACom– De que forma a ASA tem contribuído para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas no Semiárido?
Paulo Pedro – A ASA tem contribuído na medida em que promove a agroecologia, através de ações de mobilização e formação social para a convivência digna com o Semiárido, e participa ativamente de espaços de discussão, elaboração, implementação e acompanhamento de políticas públicas adequadas à região. A ASA também valoriza, sistematiza e intercambia conhecimentos junto com as famílias e suas organizações, na busca de uma vida digna e justa para os povos do Semiárido.
ASACom – O que a Articulação ainda pode fazer?
Paulo Pedro – A ASA pode fazer muito mais, adotando uma postura ainda mais forte e ativa junto aos governos federal, estaduais e municipais, no sentido de inserir dentro dos planos das políticas públicas nestes três níveis ações amplas com foco no desenvolvimento sustentável e combate à desertificação. Na verdade, a grande meta será mudar a lógica atual das políticas, de um foco somente econômico, para uma visão sustentável, incluindo investimentos nas questões ambiental, social e cultural. Portanto, a ASA precisa ampliar seu trabalho e explicitar mais suas preocupações com o combate à desertificação, deixando claro como seu trabalho, efetivamente, tem relação com o tema. Assim com precisa estar, permanentemente, contribuindo com a formação e mobilização de pessoas para atuarem com capacidade e compromisso com a causa do desenvolvimento sustentável para uma vida e justa para todo o povo do Semiárido.